quinta-feira, 31 de maio de 2012

Santa Joana D'Arc


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Quis Deus libertar os hebreus do jugo dos egípcios, e suscitou um Moisés, que se apresenta diante do orgulhoso faraó, faz milagres para comprovar sua missão divina, lança pragas sobre o Egito, e ostenta o poder divino, abrindo diante de si as águas do Mar Vermelho, enelas sepultando para sempre os exércitos inimigos.
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Quis Deus salvar a França do domínio inglês, na Idade Média, e em vez de fazer nascer entre os filhos dessa nação um grande general, chamou para realizar sua obra uma donzela, inocente pastorinha da Lorena.
De repente, um país derrotado e decadente, retalhado pela ambição, governado por um príncipe fraco e hesitante, ressuscita ao ouvir a convocação de Joana. Sua voz virginal dá força aos fracos, coragem aos covardes e fé aos descrentes. Sua inocência infunde terror nos inimigos, restaura a pureza dos devassos. Seu nome é um brado de guerra. Sua figura, um estandarte imaculado.
Em sua curta vida, conheceu os esplendores da glória e as humilhações da mais vil perseguição: a da calúnia - último recurso dos invejosos, arma traiçoeira dos infames, que poupa o corpo e fere a honra.
Condenada à morte como bruxa, reduzida a cinzas pelo fogo, sua inocência triunfou nos altares para todo o sempre: Santa Joana d'Arc.
No tempo em que a frança feudal, a França do heroísmo e da cavalheirosidade, encontrava-se sob o pé conquistador da Inglaterra, uma pastorinha foi suscitada por Deus numa aldeia muito humilde, cujo nome soa como toque de sino: Domremy.
Desde muito cedo,tinha o costume de rezar enquanto se achava sozinha no campo, apascentando o rebanho de seus pais. Certo dia ouviu vozes misteriosas, que acabaram por identificar-se como sendo de São Miguel e de duas santas. Urgiram-na a apresentar-se ao rei de França e comunicar-lhe que Deus a enviava a fim de anunciar seu auxílio para expulsar os ingleses do território francês.
Aquela virgem encantadora resolveu então partir e apresentar-se ao soberano.
Logo que chegou à corte, passou-se com ela um belíssimo fato que veio provar a autenticidade de sua missão. Numa época como aquela, em que não havia imprensa nem televisão, só restava um modo de se conhecer o semblante do rei: olhá-lo diretamente. Quem nunca o houvesse visto, não saberia identificá-lo pela fisionomia no meio de muitas pessoas. No dia em que o rei Carlos VII condescendeu em ouvir Santa Joana d'Arc, vestiu-se ele como um simples nobre e, no salão de audiências, repleto de pessoas, retirou-se para um lugar secundário, mandando que outro se colocasse no lugar central, trajado como se fosse monarca.
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Santa Joana d'Arc entrou, olhou para todos e, sem titubear, foi em direção àquele que se ocultava num dos cantos, dizendo-lhe:" Ó Rei, eu venho vos falar!"
Na conversa que se seguiu, Carlos VII pôs dificuldades `a jovem pastora, contudo ela venceu-as todas. Convencido de sua missão, o monarca colocou-a, frágil e débil, à frente de um dos exércitos mais fortes da Europa. E ela, na sua debilidade virginal e encantadora, comandou-o e empurrou os ingleses quase completamente para fora da França.
Certa feita, santa Joana d'Arc dirigiu-se a Carlos VII, dizendo querer dele um inapreciável presente, e perguntou se o monarca estava disposto a dá-lo. Disse ele que sim. Ela, então, afirmou que desejava o Reino da frança! Surpreso e contrafeito, o rei entretantocondescendeu.
Santa Joana d'Arc imediatamente mandou chamar quatro tabeliães e lavrou um ato pelo qual recebia de Carlos VII a França, despojando-se o soberano, em favor dela, de todos os seus direitos sobre o Reino. Após ter ele assinado o documento, santa Joana d'Arc mandou lavrar um outro, pelo qual ela, em nome de Deus, entregava novamente ao monarca o Reino da França!
Em Carlos VII, que ainda não havia sido coroado, a realeza se achava bastante viva para não ser morta, mas bastante morta para não reviver. Na verdade, encontrava-se a ponto de expirar, e quase estorvava o curso da História. Santa Joana d'Arc pediu a sua desistência, e reinstaurou nele - por mandato divino - aquilo que estava morrendo, dando ao reino da França uma nova vida.
Era uma pastora chamada a brilhar na corte de um rei. Era uma virgem chamada a viver num campo militar onde, infelizmente, tantas e tantas vezes a linguagem é impura, e a presença das mulheres perdidas se faz notar. Ela ali reluziu como um círio de puríssima cera em plena noite.
Sua virgindade tinha algo de imaculadamente prateado, tinha refulgências de uma arquiprata.
Foram tão grandes as vitórias de Santa Joana d'Arc que, antes mesmo de os ingleses estarem fora do território francês, surgiram condições propícias para a coroação de Carlos VII na catedral de Reims.
Conduziu ela até ali Carlos VII e este foi coroado em meio a uma glória indizível. Santa Joana d'Arc assistiu a cerimônia no lugar de honra, portando o seu estandarte azul e branco, no qual estavam bordados os nomes de Jesus e Maria. Como ela sempre tivera inimigos entre os franceses, um deles lhe perguntou:
- O que faz o seu estandarte aqui? É um estandarte para a guerra e não para festas! Ao que ela respondeu:
- Ele esteve comigo na hora da luta e do esforço, é natural que esteja comigo na hora da glória!
Após a coroação de Carlos VII, restava ainda uma parte da França a ser reconquistada.
Na batalha de Compiège, a traição, imunda como a serpente, enroscou-se na heróica pastora. Os borguinhões, vassalos revoltados contra o rei da França, prenderam-na e, mediante dinheiro, entregaram-na aos ingleses.
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As vozes que ela ouvira parece lhe haverem prometido que só morreria quando o poderio inglês estivesse quebrado na França. E ela de tal maneira esperava salvar aquele nobre país, que chegou a pular de uma torre onde se achava prisioneira, para fugir e continuar a luta. Em seus insondáveis desígnios, Deus não fez o milagre de ajudá-la, as vozes também não a auxiliaram, e ela foi presa novamente!
Os ingleses entraram em entendimento com um Bispo francês expulso há pouco de sua Diocese por seu apoio ao invasor estrangeiro, e acusaram santa Joana d'Arc de ser bruxa. Diziam que suas vitórias eram fruto de pacto com o demônio.
Durante o julgamento, ela se defendeu como uma leoa. Suas respostas às perguntas dos juízes eram castas como uma couraça e pontiagudas como uma lâmina de espada. Porém, contra toda a expectativa, ela foi condenada pelo tribunal da Inquisição a ser queimada viva, como vil feiticeira!
Deus, que estivera tão presente em todos os combates dela, agora fazia-se ausente. Na manhã da morte, vestem-na com uma túnica infamante e a conduzem numa carreta, de pé, com mãos amarradas às costas, como se fosse malfeitora, em direção ao local do suplício. O povo enche as vias por onde ela passa, e no caminho era lido a sentença, toda feita de infames e falsas acusações.
Continuando seu trajeto, a carreta chega à praça onde está armada a fogueira. Santa Joana d'Arc desce e caminha em sua direção. Pode-se bem imaginar a perplexidade que invafia sua alma: "Mas, então, aquelas vozes não eram verdadeiras? Aquelas vozes teriammentido? Meu Deus, será que minha vida não foi senão um engano? É a Inquisição que me condena! É um tribunal eclesiástico, dirigido por um Bispo, composto por teólogos e por homens de lei... Será que eu não me enganei, ó meu Deus?!"
Acende-se a fogueira. Não demora, e a supliciada vai sentindo crescerem as dores da morte. Em certo momento, ela parece haver tido uma visão e ouvem-na gritar de dentro das chamas: "As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!"
O fogo tomou conta de seu corpo, ela morreu com todas as dores de quem é queimada viva, porém repetindo até o último momento: "As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!" Como que a dizer: "Há um mistério, mas eu morro contente, porque estou fazendo a vontade de Deus!"
O mistério se explicou para ela: as vozes não tinham mentido.
O ímpeto dado por Santa Joana d'Arc na ofensiva contra os invasores ingleses havia sido tão grande que eles não ousaram resistir ao exército francês. Pouco após o sacrifício da heroína, foi derrubado o poderio inglês na França. Ela morreu sem poder ver o desmoronamento da muralha. Entretanto, as vozes não lhe haviam mentido. Cerca de 120 anos depois, Calais, a última cidade inglesa na França, tombou, terminando a reconquista do território francês.
A Inglaterra, durante este tempo, tornara-se protestante, e Calais se transformara numa cidade herética: era a unha da heresia encravada no solo bendito da França. Mas as vozes não mentiram, e a obra de Santa Joana d'Arc chegara ao fim.
Para Deus não há pressa. Ele é eterno. Passaram-se mais de trezentos anos... Somente em 1908 quis o Altíssimo que São Pio X, numa cerimônia magnífica, em meio a jubilosos repiques de sinos, canonizasse a virgem guerreira de Domremy. O triunfo da santa pastorinha coberta de armadura constituía mais uma cintilação que a Igreja emitia de dentro de si.
O nome de Santa Joana d'Arc permanecerá como uma saga, um mito, um poema, até o fim do mundo: a virgem heróica e débil, que expulsou os ingleses do doce Reino da França e realizou, assim, a vontade de Nossa Senhora, Rainha do Céu e da terra. (Mons. João Clá Dias, EP)
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Santa Joana D'Arc: exemplo de santidade na política
Em uma de suas audiências gerais (26/01/2011) o Papa Bento XVI falou sobre Santa Joana D'Arc e destacou seu "belo exemplo de santidade para os leigos empenhados na vida política, sobretudo nas situações de maior dificuldade".
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O Sumo Pontífice lembrou que Santa Catarina de Siena e Santa Joana D'Arc são as figuras mais características de "mulheres fortes"que, no fim da Idade Média, mostraram sem medo a luz do Evangelho em momentos difíceis da história.
O Santo Padre salientou a força das mulheres em episódios cruciantes da história. Recordou o exemplo de Nossa Senhora e de Santa Maria Madalena: "Podemos escutar as santas mulheres que permaneceram no Calvário, próximas a Jesus crucificado e a Maria, Sua mãe, enquanto os apóstolos fugiram e o próprio Pedro negou Jesus três vezes."
Santa Joana D'Arc
Bento XVI lembrou que Santa Joana D'Arc viveu num período conturbado da história da Igreja e da França: ela nasceu em 1412, quando existia um Papa e dois anti-papa. Junto com este cisma na Igreja, aconteciam contínuas guerras entre as nações cristãs da Europa. A mais dramática delas foi a "Guerra dos Cem Anos", entre França e Inglaterra.
"A compaixão e o empenho da jovem camponesa francesa diante do sofrimento do seu povo tornou mais intenso o seu relacionamento místico com Deus", explicou o Papa.
Santidade na Contemplação e ação
O Pontífice recordou que um dos aspectos mais originais da santidade desta jovem foi a ligação entre a experiência mística e contemplativa e a missão e ação política: "Depois dos anos de vida oculta e crescimento interior, seguem dois anos, curtos, mas intensos, de sua vida pública: um ano de ação e um ano de paixão".
Paz e justiça entre os cristãos
O futuro Rei da França, Carlos VII, rendeu-se aos conselhos da camponesa de Domremy, depois de ela passar por exames de teólogos.
A proposta que ela tinha era de uma verdadeira paz e justiça entre os povos cristãos, à luz dos nomes de Jesus e Maria. Esta proposta foi rejeitada e Joana, então, se engaja na luta pela libertação de seu país em 8 de maio 1429.
"Joana vive com os soldados, levando a eles uma verdadeira missão de evangelização. Muitos testemunham sua bondade, sua coragem e sua extraordinária pureza. É chamado por todos, como ela mesma se definia, ‘la pucelle', a virgem", conta o Papa.
Condenação de uma santa
Em 1430, ela é presa por seus inimigos, que a julgaram. "Os juízes de Joana eram radicalmente incapazes de compreender, de ver a beleza de sua alma, não sabiam que condenavam uma santa".
Na manhã do dia 30 de maio, recebe pela última vez a Comunhão na prisão e, em seguida, é conduzida à praça do velho mercado. Pede a um dos sacerdotes para manter diante dela um crucifixo e, assim, morre "olhando Jesus Crucificado e pronuncia mais vezes e em alta voz o Nome de Jesus".
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O nome de Jesus, confiança e amor a Deus
"O Nome de Jesus, invocado por essa santa até os últimos momentos de sua vida terrena, era como o contínuo respirar de sua alma, um hábito do seu coração, o centro da sua vida", ressaltou o Santo Padre. Para o Pontífice, o "mistério da caridade de Joana D'Arc é aquele total amor de Jesus que está sempre em primeiro lugar na sua vida. "Amá-lo, significa obedecer sempre a sua vontade. Ela afirmava com total confiança e abandono: ‘Confio-me a Deus, meu Criador, amo-o com todo meu coração'", destacou o Papa.
Oração: diálogo contínuo com Deus
Esta santa viveu a oração como um diálogo contínuo com Deus que iluminava também seu diálogo com os juízes e dava paz e segurança. "Em Jesus, Joana contempla também a realidade da Igreja, a ‘Igreja triunfante' do Céu, como a ‘Igreja militante' da Terra. Segundo suas palavras, ‘é tudo uma coisa só: Nosso Senhor e a Igreja'.
Amar a Igreja
"No amor de Jesus, Joana encontra a força para amar a Igreja até o fim, também no momento de sua condenação", enfatiza o Santo Padre.
Por fim, Bento XVI afirma que o luminoso testemunho de Santa Joana D' Arc convida a um alto padrão de vida cristã: "fazer da oração o fio condutor dos nossos dias, tendo plena confiança no cumprimento da vontade de Deus, seja ele qual for; viver a caridade sem favoritismos, sem limites, e atingindo, como ela, no Amor de Jesus, um profundo amor pela Igreja". Santa Joana D'Arc, foi canonizada pelo Papa Bento XV, em 1920. (JG).
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quarta-feira, 30 de maio de 2012

O SIGNIFICADO HUMANÍSTICO DA CIÊNCIA


ZP12053011 - 30-05-2012
Permalink: http://www.zenit.org/article-30457?l=portuguese


Faz sentido uma ficção científica anti-científica?

Antonio Scacco
ROMA, quarta-feira, 30 de maio de 2012 (ZENIT.org) - A ciência, nas suas ramificações como a astronomia, a física, a geografia e tantas outras, nunca deixou de interessar, ao longo dos séculos, a poetas e escritores, que a partir dela compuseram vasta gama de obras didáticas e protrépticas.
Quem poderia esquecer o De rerum natura, de Lucrécio, onde os "foedera naturae" (a ciência epicurista) e a "callida Musa" (a poesia) são indissociáveis? E, antes do poema de Lucrécio, osonde os "foedera naturae" (a ciência epicurista) e a "callida Musa" (a poesia) são indissociáveis? E, antes do poema de Lucrécio, os Fenômenos, de Arato, obra imitadíssima durante a antiguidade, que teve a honra de receber comentários científicos dos astrônomos famosos do passado?durante a antiguidade, que teve a honra de receber comentários científicos dos astrônomos famosos do passado?
Esta relação entre a ciência e a literatura se torna ainda mais estreita com a ficção científica. Michel Butor afirmava que o que distingue a ficção científica de outros gêneros de fantasia é "o tipo especial de plausibilidade que ela tem. Esta plausibilidade é diretamente proporcional à evidência científica sólida que o autor introduz. Se essas evidências faltam, a ficção se torna uma forma morta e retórica" (Michel Butor, Repertório. Estudos e conferências 1948-1959, Il Saggiatore, Milão, 1961, pág. 204).
Na mesma linha, e até mais circunstanciado, é o parecer de um escritor do nível de Isaac Asimov: "Para um escritor de ficção, não é suficiente conhecer bem o próprio idioma: ele também precisa conhecer a ciência. [...] Nós não precisamos ser cientistas, nem ter um diploma de ciências. Mas se os nossos estudos tiverem sido deficientes em ciências, então é essencial começarmos a estudar por conta própria" (Isaac Asimov, Conselhos, em Guia de Ficção Científica, versão italiana, Mondadori, Milão, 1984, pág. 23).
Se a ciência é indispensável à ficção científica, a ficção científica é essencial para a ciência. Como prova, basta mencionar as várias invenções (como o helicóptero de Igor Sikorsky e o submarino de Simon Lake) e empreendimentos científicos (como os vôos ​​do Almirante Byrd sobre a Antártida e as explorações subterrâneas do espeleólogo Norman Casteret) inspirados ou estimulados pela leitura de romances de ficção científica, conforme é confessado pelos próprios protagonistas.para a ciência. Como prova, basta mencionar as várias invenções (como o helicóptero de Igor Sikorsky e o submarino de Simon Lake) e empreendimentos científicos (como os vôos ​​do Almirante Byrd sobre a Antártida e as explorações subterrâneas do espeleólogo Norman Casteret) inspirados ou estimulados pela leitura de romances de ficção científica, conforme é confessado pelos próprios protagonistas.
Queremos ressaltar aqui o fato de que esta relação de interação não se limita aos aspectos literários e tecnológicos, mas também envolve a esfera humana e pessoal, como testemunhado por Arthur C. Clarke com o seu romance seu romance 3001: Odisséia Final: "No caminho de volta da lua, [os astronautas da Apollo 15] me enviaram o esplêndido mapa em relevo da área de alunissagem do módulo lunar Falcon, que agora ocupa o lugar de honra do meu estúdio. Ele mostra as rotas percorridas pelo veículo lunar durante as suas três viagens, uma das quais explorava uma cratera iluminada pela Terra. O mapa traz a inscrição ‘Para Arthur Clarke, da tripulação da Apollo 15, com grande reconhecimento pelas suas visões do espaço. Dave Scott, Al Worden, Jim Irwin’. Em troca, dediquei Earthlight ‘a Dave Scott e Jim Irwin, os primeiros homens a penetrarem nessa terra, e a Al Worden, que acompanhou a sua órbita’".
Nestas circunstâncias, a conclusão parece óbvia: não faz sentido uma ficção anti-tecnológica e anti-científica. Mas, então, como explicar a existência de romances futuristas, inspirados, mais ou menos, numa ideologia de tipo ludista?
Referimo-nos a obras como A máquina pára, de 1909, escrita por Edward M. Forster, que descreve uma humanidade relegada ao subterrâneo e cujas necessidades são satisfeitas pela "Máquina". Quando esta pára, os homens morrem, porque perderam toda a capacidade de iniciativa. Segundo alguns estudiosos, esse espírito anti-científico está presente também no artífice da Idade de Ouro da ficção científica, John W. Campbell, precisamente nas histórias das "cidades no fim dos tempos", onde "cidades exterminadas, imóveis e gélidas, cheias de incompreensíveis máquinas sem objetivo após a morte dos seus criadores, são ao mesmo tempo o túmulo do homem e o fúnebre memorial a um tecnologismo sem espírito, a uma ciência dessangrada que não soube ver outra realidade além de si mesma" (G. de Turris-S.Fusco, A polêmica anti-científica na literatura futurista, em C.D.Simak, Mundos sem fim, 1964; Fanucci Roma 1977, pág. 14).
Para tentar esclarecer esta questão intricada e permitir que a ficção científica saia do impasse da ciência amiga/inimiga da humanidade, precisamos ter em mente os dois clichês que normalmente afetam o nosso julgamento sobre a ciência: ou panacéia ou fonte de todo mal.
Felizmente, além das duas correntes de pensamento, uma elogiando o "futuro magnífico e progressista" e a outra levantando a bandeira do "vade retro tecnologia", existe também uma terceira: a da ciência como fator de humanização, destacada pelo cientista nuclear e filósofo Enrico Cantore, SJ, em seu ensaio O homem científico: significado humanístico da ciência (uma extensa exposição do pensamento do padre Enrico Cantore está presente em nosso livroFantascienza umanistica, em italiano, pela Boopen Editora, 2009. Os interessados ​​podem solicitar uma cópia gratuita enviando email para futureshock@alice.it).
Temos certeza de que, na ótica do humanismo sapiencial-científico, todas as contradições podem ser resolvidas e a ficção científica pode encontrar a nova linfa de que, neste momento de crise, ela tem vital necessidade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Como Ler Livros - O Guia Clássico para Leitura Inteligente de Mortimer Adler


"O Livro "Como Ler Livros" é uma das obras que deveríamos receber
 no primeiro dia de aula ou na melhor das hipóteses, antes dele." 

Publicado pela primeira vez em 1940 felizmente chega ao Brasil de forma Completa, Reescrita e Atualizada o livro "Como Ler Livros" do filósofo, escritor e educador Mortimer Adler.
*Esta edição tem o auxílio do intelectual Charles Van Doren.

"Este livro almeja não apenas leitores, mas todos aqueles que desejam se tornar leitores.. e que desejam crescer intelectualmente enquanto leem."
Sinopse: "Como Ler Livros", publicado originalmente em 1940, tornou-se um fenômeno raro, um clássico vivo. Trata-se do melhor e mais bem-sucedido guia de compreensão de leitura para o leitor comum.
O livro aborda os vários níveis de leitura e mostra como atingi-los – da leitura elementar à leitura rápida, passando pelo folheio sistemático e pelaleitura inspecional. Aprende-se a classificar um livro, a radiogra fá-lo, a isolar a mensagem do autor, a criticar.

Estudam-se as diferentes técnicas para ler livros práticos, literatura imaginativa, peças teatrais, poesia, história, ciências e matemática, filosofia e ciências sociais.

No final do livro, Mortimer Adler e Charles Van Doren nos oferecem uma confiável lista de leituras. Esta lista com certeza dará um impulso na sua experiência de aprendizagem além de ser de grande valor intelectual. Além disso no fim do livro existem testes de leitura para que você possa medir seu progresso emcompreensão, velocidade e capacidade de leitura.

Separamos uma pequena lista de tópicos, dentre as várias que você vai encontrar:
- Tramas e complôs: como expressar a unidade de um livro.
- Como descobrir as intenções do autor.
- Como encontrar argumentos
- Como encontrar soluções
- Como criticar um livro
- O papel da retórica
- Como resolver discórdias
- Preconceirto e Julgamento
- Como julgar a solidez de um autor
- Como usar o dicionário
- Como usar uma enciclopédia
- O papel da persuasão
- Regras Gerais para a leitura da literatura imaginativa
- Uma nota sobre os épicos
- O que perguntar a um livro de história
- Como ler sobre atualidades
- Sugestões para a leitura de livros científicos clássicos
- Como enfrentar o problema da matemática
- As perguntas feitas pelos filósofos
- Sobre ter opiniões próprias
- A vida e o crescimento da inteligência


"Você nunca mais vai ver um livro da mesma maneira"

                                                   Fonte: Site No Mundo dos Livros

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O que é a Educação Clássica


Introdução
Educação clássica é uma filosofia da educação apoiada em práticas de ensino acumuladas ao longo de vários séculos; é uma tradição que se inicia na Grécia antiga e atravessa todo o período medieval, renascentista e moderno até chegar ao século XX, nos Estados Unidos, sendo sistematizada e divulgada com o nome de liberal education.
No sentido mais abrangente do termo, educação clássica é uma idéia geral de educação que passou por diferentes manifestações particulares ao longo história. Cada uma destas manifestações possui suas características peculiares, no entanto, todas elas participam dos mesmos traços essenciais.
O objetivo deste artigo é expor quais são estes traços essenciais.
1) O conhecimento como fim e não como meio
A educação clássica visa uma formação integral e não apenas uma formação técnica.
No ensino utilitarista, o conhecimento não tem valor em si próprio, mas apenas na medida em que serve para um fim externo: é a educação para formar técnicos aptos a exercer certos papéis na sociedade. Este tipo de ensino certamente é necessário para a vida em sociedade, e não faz o menor sentido querer prescindir dele. No entanto, não podemos colocá-lo como a única finalidade do processo educativo porque o ser humano possui vários aspectos que transcendem a sua ocupação profissional.
A educação clássica tem como objetivo cultivar no homem estes aspectos que, embora transcendam sua profissão, continuam fazendo parte de sua personalidade. Por isto, se trata de uma filosofia integral de ensino: ela não se limita a transmitir conhecimentos técnicos, mas procura cultivar a sensibilidade, a cultura e os valores.
2) Formação ao invés de mera informação
Uma segunda característica da educação clássica é que ela não se limita à transmissão de informações, mas procura desenvolver no aluno o senso de proporcionalidade e hierarquia no conhecimento.
Informações são apenas dados pontuais, pedaços de conhecimento dispersos.  As informações são importantes, mas fazem poucos sentidos sem os quadros conceituais que tornam estas informações inteligíveis.
Por isso, o foco da educação clássica, ao contrário do ensino oficial brasileiro, não é transmitir informações, mas sim, em ensinar o aluno a organizar o seu conhecimento; ou seja, de analisar e sintetizar as informações recebidas, criando uma concepção integrada e hierarquizada do quê se está estudando. Esta proposta é preferível porque uma vez que o aluno tenha aprendido a organizar o seu conhecimento, ele pode facilmente encontrar as informações faltantes. No entanto, o aluno que recebe apenas informações e não aprende a lidar com conceitos, terá sempre um entendimento limitado de qualquer assunto que estude.
3) A defesa da consciência individual contra a massificação
Uma terceira característica essencial é que ela é centrada na formação da consciência individual e, por isso, é o único modelo realmente não-ideológico de formação intelectual. O papel da educação é ensinar ao aluno como pensar, e não o quê pensar; o professor mostra o caminho e os instrumentos, e cabe ao aluno continuar o processo.
Na educação clássica, os alunos, ao invés de serem convidados a adotar uma visão de mundo uniformizada, aprendem a cultivar sua própria mente, formando opiniões próprias e bem fundamentadas sobre os assuntos que discutem.
4) O conhecimento, embora seja uma elaboração individual, almeja alcançar uma verdade objetiva
A educação clássica não segue os teóricos que pregam a abolição da noção de verdade objetiva. Embora ela saiba que todo conhecimento envolve uma elaboração individual, este trabalho subjetivo é feito em cima de dados objetivos.
Ou seja, as noções de objetividade e subjetividade não são vistas como sendo contraditórias: embora o conhecimento nasça da consciência individual, esta consciência não está separada do mundo por um abismo solipisista. A consciência do indivíduo cresce ao se alimentar dos dados objetivos que recebe da realidade.
5) Transcendência das limitações da época e da cultura imediata
É incorreto dizer que a educação clássica é contra a cultura popular, como querem alguns de seus críticos. Não faz parte de seu programa excluir nenhum tipo de manifestação cultural.
No entanto, este erro ocorre porque, embora respeite cada cultura local, a educação clássica procurar levar o sujeito a conhecer diferentes culturas, de diferentes épocas e locais, especialmente a que foi produzida pelos grandes gênios de cada época. Mas não se trata de rejeitar uma em nome da outra: trata-se de oferecer, a cada indivíduo, a possibilidade de escolher o que lhe parece mais adequado dentro de tudo que já foi produzido pelo espírito humano.
A crença básica da educação clássica é que o espírito do aluno sai engrandecido – e não diminuído – pelo contato direto com diferentes visões de mundo. O fato dele conhecer uma visão de mundo diferente não significa que ele irá abandonar a sua cultura local; significa apenas que ele terá um universo maior de escolhas possíveis – e entre estas escolhas, evidentemente, está tanto a possibilidade de rejeitar o novo conhecimento em nome do antigo, como também de fundir os dois campos culturais e produzir algo ainda mais interessante do que existia anteriormente.
Os inimigos da alta cultura, portanto, fazem um desserviço aos que pretendem ajudar. No fundo, estão apenas limitando as escolhas dos alunos e empobrecendo o seu universo cultural. A educação clássica tem como objetivo reverter o mal que estes falsos amigos os fazem e oferecer aos indivíduos o leque cultural mais amplo possível.
6) Os grandes livros: os clássicos do pensamento ocidental
A sexta e última característica da educação clássica é que ela é sempre feita através dos “grandes livros”, que é como Adler chamava os clássicos do pensamento ocidental.
Hoje em dia, os alunos, mesmo no nível universitário, não estão mais acostumados a ler os grandes clássicos. Consideram a leitura difícil, enfadonha e estão sempre “ocupados demais” para este tipo de dedicação. Isto acontece porque eles foram habituados a estudar exclusivamente a partir de manuais acadêmicos – quando não apenas a partir de trechos soltos de alguns destes manuais.
O problema com os manuais é que eles sempre estão muito abaixo do nível intelectual dos grandes livros de uma disciplina. Em qualquer tema de estudo foram escritos alguns clássicos que definiram o curso do pensamento, ao quê se seguiram vários artigos e livros menores discutindo o assunto. Os manuais nascem no final desta cadeia, procurando simplificar e resumir toda a discussão anterior.
Certamente o intuito com que são escritos é louvável: introduzir o aluno em discussão complexa. No entanto, eles só servem como degrau inicial para a formação do aluno, pois eles nunca mantêm o mesmo rigor intelectual com que foram escritos os clássicos da disciplina. 
Isto ocorre, em primeiro lugar, porque os autores dos manuais visam o aluno médio e, por isso, excluem do texto todos os aspectos mais complicados do tema. Os clássicos, ao contrário, foram escritos para os homens mais inteligentes do seu tempo e, por isso, trazem justamente as questões mais elevadas. Além disso, os autores dos clássicos foram os grandes gênios da humanidade, enquanto os autores de manuais costumam ser professores medianos que, embora tenham um domínio razoável da disciplina, não foram capazes de produzir uma contribuição original para o conhecimento.
Os manuais, portanto, são excelentes para introduzir o aluno em uma discussão, mas jamais serão suficientes para habilitá-lo a discutir as grandes questões do seu campo de estudo. Para formar estudantes de altíssimo nível, capazes de levar o conhecimento que receberam a um novo patamar, o único caminho é através da leitura direta dos clássicos.
Caso um ensino se baseie quase exclusivamente em manuais – como no caso do nosso ensino nacional – iremos formar apenas alunos medianos. Mas, se fizer um ensino baseado nos clássicos, iremos formar uma geração de alunos familiarizada com a história das grandes idéias de sua disciplina e, portanto, habilitada a discutir as questões mais elevadas. Ou seja, capaz de participar daquilo que Adler chama de “grande conversação”.
Resumindo
Com isso, acredito, podemos ter uma boa idéia do que seja a essência de uma educação liberal:
1.      Ela é uma educação não-profissionalizante, que busca uma formação integral do homem;
2.      Ela não tem como objetivo a aquisição de informações pontuais, mas sim, de desenvolver a capacidade do aluno em raciocinar e organizar de forma independente as informações que recebe;
3.      Ela não se volta para a formação em massa, para a difusão de uma visão de mundo, mas para que cada aluno cultive a própria consciência individual;
4.       A educação liberal é o exato oposto do subjetivismo que ameaça fechar cada sujeito em si mesmo, pois seu objetivo é abrir a alma do aluno às influências universais;
5.      A educação liberal resgata o sujeito do imediatismo e permite que ele julgue a sua própria cultura a partir das aquisições culturais de outras épocas;
6.       O aluno que recebe uma educação liberal se torna um espectador consciente da história das idéias, discutindo com as grandes mentes que moldaram o pensamento ocidental.
Conclusão
Podemos perceber claramente que no Brasil jamais existiu de forma consistente e continuada um esforço em promover a educação clássica. O ensino brasileiro é, na melhor das hipóteses, meramente profissionalizante, quando não recai simplesmente na doutrinação ideológica rasteira.
Acredito que quem tiver acompanhado esta exposição, concordará que não há tarefa mais urgente e importante para o nosso país do que criar em nossa sociedade focos de educação clássica para revitalizar os nossos debates intelectuais – uma tarefa que talvez seja tão difícil quanto necessária; e, por isso mesmo, digna de nossos melhores esforços.
Lucas Mafaldo Oliveira 
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(Adaptação do texto “o que é educação liberal?” originalmente publicado no www.contracorrente.com.br)