segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O papel da fé na política internacional

ZP11090401 - 04-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28754?l=portuguese Religião e conflitos globais ROMA, domingo, 4 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – No décimo aniversário do 11 de setembro, permanece vivo o debate sobre o papel da religião nos conflitos e na política. O recente livro Religion, Identity and Global Governance: Ideas, Evidence and Practice (University of Toronto Press) traz uma valiosa contribuição ao debate, recopilando muitas atas de uma conferência de outubro de 2007. John F. Stack, professor na Universidade Internacional da Flórida, analisa num dos capítulos o desafio à teoria das relações internacionais. Antes mesmo dos acontecimentos da última década, estava claro que a religião, longe de ter desaparecido, é uma poderosa força global, afirma Stack. Nos Estados Unidos, por exemplo, as influências protestantes e evangélicas tiveram importante papel na política interior. A religião voltou aos países da antiga União Soviética desde a queda do comunismo, e a influência do islã tem sido evidente na África, Ásia e Europa. Mas Stack observa que a teoria das relações internacionais ignora o papel da religião. Em muitos casos, durante o século XX, os pensadores influentes em ciências sociais teorizaram que a religião não só é irrelevante, mas ainda que desapareceria de modo gradual. A sobrevivência da religião e sua evidente influência na política forçou, depois, a mudança de perspectiva. A religião é importante, explica Stack, e é uma dimensão básica da vida humana que influencia cultura, tradição e visões do mundo. “As crenças religiosas podem não agradar aos estudiosos sociais do Ocidente, que analisam o comportamento dos indivíduos, grupos, movimentos sociais, estados, mas ressoam profundamente nos valores e nas opções mais básicas”. Stack admite que é difícil avaliar o papel concreto da religião e discernir se ela é uma mera manifestação de outros fatores étnicos, culturais ou de afirmação de um grupo. Reação laicista Na última década, vivemos uma verdadeira explosão de estudos sobre religião e assuntos internacionais, escreveu Ron E. Hassner em seu capítulo. Hassner, professor adjunto na Universidade da Califórnia em Berkeley, diz que foram publicados mais livros sobre o islã e a guerra desde o 11 de setembro do que desde a invenção da imprensa até aquela data. Ele deplora o que chama de “reação laicista e borbulhante”, que caracterizou um bom número de livros. “Rejeitar a religião como se fosse apenas uma forma perigosa de demência de grupo não é só irracional, mas também inútil, porque não se pode rejeitar a religião e ao mesmo tempo querer entendê-la”. Hassner acusa escritores como Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchins de afirmar que há uma relação causal entre religião e guerra. Ao mesmo tempo, eles rejeitam como falsa qualquer associação com a promoção da moral, da cultura e da ciência. Em seu texto, Cecília Lynch, professora da Universidade da Califórnia, propõe uma postura de estudo da religião diferente da de Dawkins. É importante considerar a prática da religião e não unicamente a doutrina, afirma ela. Temos que entender também que a religião, embora proporcione diretrizes éticas, sempre deixa espaço para a interpretação. As doutrinas e tradições religiosas, segundo Lynch, não podem cobrir todas as possibilidades na hora de prescrever um comportamento. Devemos considerar a crença e a prática religiosa como moldadas pelas circunstâncias e tradições históricas, além de fatores econômicos e sociais contemporâneos. Um dos aspectos da religião em que Lynch se concentra é o compromisso com a atividade humanitária. Nos conflitos das últimas décadas, envolvendo tanto cristãos quanto muçulmanos, suas organizações humanitárias respectivas começaram a trabalhar juntas. As organizações laicas tiveram que se adaptar para trabalhar em sociedades de maioria muçulmana. Desde os acontecimentos de 2001, porém, alguns países olham com desconfiança para as organizações humanitárias islâmicas. Guerra justa James L. Heft, padre marianista e professor na Universidade do Sul da Califórnia, analisa a doutrina da guerra justa e como ela é interpretada por João Paulo II. Segundo Heft, João Paulo II desenvolveu uma compreensão dos ensinamentos sobre a guerra justa que tornou mais difícil justificar a guerra, e também as enquadrou num marco ético que privilegia os meios não violentos de resolução de conflitos. Esta tendência se iniciou muito antes de João Paulo II, diz Heft. Depois que a Igreja católica perdeu os Estados Pontifícios e seu poder temporal, ela se viu livre para defender melhor os direitos dos outros e passou a se opor à guerra com mais intensidade. Este desenvolvimento ficou especialmente evidente na encíclica de João XXIII Pacem in Terris, publicada em 1963. Em 4 de outubro de 1965, dirigindo-se às Nações Unidas, Paulo VI exclamou: “Basta de guerra, guerra nunca mais!”. Heft escreve que João Paulo II defendia os direitos humanos em suas encíclicas e discursos e se opunha repetidamente à guerra. Não descartava inteiramente o uso da força, mas o limitava cuidadosamente. Os acontecimentos de 1989, que determinaram a libertação sem guerra da Europa do Leste, confirmaram as convicções do papa na força dos métodos não violentos, afirma Heft. Ele tocaria no tema dois anos depois, na encíclica Centesimus Annus. Nos anos seguintes, João Paulo II se oporia com firmeza à invasão do Iraque. Heft observa, porém, que João Paulo II apoiou com cautela a derrocada do governo talibã do Afeganistão. Na mensagem para a Jornada Mundial da Paz de 2002, o papa afirmou que existe um direito a defender-se contra o terrorismo. Defendeu também a intervenção humanitária na antiga Iugoslávia. Em geral, a consciência de João Paulo II das consequências da guerra o fez rejeitar a violência, mas não é correto apresentá-lo como um pacifista, conclui Heft. Religião e Resolução de Conflitos Abordando a questão da paz, Robert B. Llloyd fala dos enfoques para a resolução de conflitos baseados na religião. Lloyd, professor associado da Universidade Pepperdine, assinala que personalidades, como a ex-secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, tinham afirmado que a diplomacia baseada na religião era uma ferramenta útil de política externa. Lloyd concentrou sua atenção sobre o cristianismo. O mundo não tem carecido de mediadores – observa ele –, mas o mediador cristã difere devido à formação recebida em uma comunidade religiosa concreta. Lloyd fala da longa história de mediação da Igreja Católica. O Tratado de Tordesilhas, de 1494, patrocinado pelo Papa Alexandre VI, resolveu o conflito entre Espanha e Portugal pelo controle das terras recém-descobertas na Ásia, África e Américas. Mais recentemente, em 1984, um tratado foi assinado entre o Chile e a Argentina para resolver uma disputa sobre as ilhas do Canal de Beagle. A mediação da Igreja ajudou a resolver um conflito que levou os dois países à beira da guerra. Lloyd também se referiu à Comunidade de Sant’Egidio. Desempenhou um papel fundamental na mediação para acabar com uma guerra de 15 anos em Moçambique. Existe alguma coisa que distingue a mediação cristã? Lloyd identificou algumas diferenças. Os cristãos enfatizam a reconciliação ou a construção de novas relações onde não existiam. Outra preocupação é o resultado justo. A importante questão da justiça que é encontrada nas Escrituras fornece uma motivação adicional para os cristãos, quando comparados com outros mediadores. Uma terceira característica é a preferência pela negociação e, sobretudo, por estabelecer linhas de comunicação que não teriam existido entre as partes. Como seus colegas leigos, os mediadores cristãos nem sempre são bem sucedidos, mas Lloyd afirma que isso mostra como uma forte identidade religiosa não é apenas fonte de conflito, mas também um meio de paz e reconciliação.

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