quarta-feira, 24 de agosto de 2011

É possível falar de beleza com a arte atual (2)

ZP11082405 - 24-08-2011
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Entrevista com David López, pintor espanhol de arte contemporânea

VALENCIA, quarta-feira, 24 de agosto de 2011 (ZENIT.org) - O pintor David López (Valencia, 1972) expôs sua obra em Valencia, Madri, Paris e Nova York, em mostras individuais e coletivas. Expôs também na recente JMJ.
Ele é assessor cultural do Instituto Cervantes de Paris. É também um dos colaboradores do pintor e iniciador do Caminho Neocatecumenal, Kiko Argüello, na realização de pinturas murais de ícones. Veja a segunda parte de sua entrevista a ZENIT.
- Um artista pode achar que a beleza não existe porque ele não tem uma experiência pessoal dela? É possível que um século XX tão violento tenha afetado a arte?
David López: Não é bem assim. O artista tem uma intuição da beleza, mesmo se ele nunca ouviu falar de Deus ou não acredita nele. Mas a arte contemporânea é fruto do século XX, sim, e ela exprime a antropologia que ele produziu.
É o caso de Duchamp e do mundo entre as guerras e do pós-guerra, que ele viveu. Depois dele, vêm dois artistas que junto com Duchamp formam a “trindade” da arte contemporânea: Joseph Beuys e Andy Warhol. Esses dois expressam essa antropologia: para Andy Warhol, a arte é dinheiro, sem mais delongas; para Beuys, a arte é melancolia, solidão do artista consigo mesmo.
Eu tenho um amigo pintor, Juan Olivares, que para mim é um dos melhores, pelo menos da Espanha. É um pintor que tem experiência de beleza, porque os quadros dele são de uma verdadeira beleza. É arte abstrata, mas ele usa uma combinação de materiais que expressa uma intuição de alguma coisa da natureza. Se você falar com ele, pode ser que ele não saiba expressar com palavras, mas ele entendeu, porque, se não tivesse entendido, não poderia pintar assim.
- Então um artista precisa ter uma “revelação” pessoal do que é belo, mesmo não sabendo conectar essa beleza com uma beleza universal, mas que é a sua “maneira particular” de buscá-la...
David López: Isso. E veja, uma das séries da minha última exposição em Valencia se chama “arte é revelação”. Para reconhecer que a arte é uma revelação você precisa de um ato de humildade: não é uma “genialidade” sua, é algo que foi revelado, confiado a nós.
Outro cavalo de batalha é a dicotomia entre originalidade e tradição. Hoje existe uma idolatria da originalidade, de uma originalidade mal entendida. A originalidade vem do nosso próprio ser pessoa, pessoa única e irrepetível. A originalidade aparece quando você se abre, se mostra.
- Essa perda do sentido universal de beleza pode ter afetado também a arte sacra?
David López: A fé só é acolhida quando ela se transforma em cultura. Os dois últimos papas falaram isso. Isso é profundíssimo: se você evangeliza uma pessoa, como é que você sabe se essa evangelização se firmou nela? Só é visível se virar cultura, forma de viver. Em alguns lugares da Igreja, existe hoje um ecletismo na arte, uma fuga da tradição. Seria bom perguntar se isso não reflete uma crise de fé muito mais profunda. E tem outro aspecto: o Ocidente cristão está vivendo um processo de aproximação do Oriente, e isso vai chegar muito mais longe. Quando estivermos mais próximos, começaremos a pegar muitas cosas do Oriente que vão nos ajudar muitíssimo. Por exemplo, a importância que eles dão à beleza.
- Uma curiosidade sobre a sua obra, que chama muito a atenção: por que você usa tanto o branco?
David López: É importantíssimo.
- Por quê?
David López: Não sei, é uma intuição minha, mas é muito importante. Nunca articulei isso de forma lógica... é uma pergunta difícil. Vou confessar uma coisa: o filme que me deu mais medo, que eu vi com 7 anos, foi a Guerra das Galáxias. Quando começa o filme, o ataque à nave, a porta explode e entram os malvados... vestidos de branco! O branco não podia ser a cor do mal... Aquilo me aterrorizou, eu me lembro do medo que eu passei.
O branco é uma cor que se usa muito na arte conceitual, porque é uma cor neutra, ela permite concentrar a atenção no que você quer expressar. No meu caso, no caso da minha obra... De algum jeito o branco está ligado às coisas verdadeiras.
- No fim da exposição de Valencia, houve uma espécie de “Átrio dos Gentios” artístico. Você pode explicar um pouco?
David López: A preocupação do papa em criar um “Átrio dos Gentios” é uma intuição compartilhada por alguns artistas. Na verdade, é o que São Felipe Neri já fazia: tinha gente que não ia entrar na igreja para escutar uma pregação, então como ele ia entrar em diálogo com eles?
Ele viu que a cultura era um veículo importante para o diálogo, porque existem verdades comuns, que são comuns a muitos – a verdade, a bondade, a beleza... E você tem que pegar o que nos une e não o que nos desune. Então ele organizava tardes de concertos, que eram seguidos de conversas. Participava um dos grandes músicos da época, Palestrina.
Entre os artistas da exposição de arte contemporânea desta JMJ tem católicos, protestantes e ortodoxos, mas com certeza vai ser um ponto de encontro com a modernidade. Eu vou expor uma obra da série Nowa Huta, é um grande Cristo. A linguagem é contemporânea. Uma pessoa não crente vai reconhecer a linguagem, mesmo não conhecendo o conteúdo. Mas também tem gente entre os cristãos que nunca iria para uma exposição de arte contemporânea, porque não entende essa linguagem, mas reconhece o conteúdo. A linguagem da arte contemporânea é muito interessante e tem muitas possibilidades. A minha obra, neste sentido, quer ser uma ponte.
Por que Nowa Huta? É o famoso projeto comunista na Polônia de fazer uma cidade sem Deus, a cidade moderna do futuro. Poucos meses vivendo lá e os moradores já começaram a levantar uma cruz no lugar onde eles se reuniam para rezar. Eles rezavam de noite, e de dia as autoridades iam lá e derrubavam a cruz. E durou anos, botando a cruz que no dia seguinte eles derrubavam.
- Realmente, segundo o cardeal Cordes, lá nasceu o conceito de “nova evangelização” do papa João Paulo II.
David López: [surpreso] Não sabia! Fui lá faz dois anos, queria ver! É muito impressionante.
Voltando ao nosso pequeno “Átrio” artístico de Valencia, veio uma poetisa cubana exilada na Espanha ver a exposição e propôs escrever uns textos, belíssimos, sobre a arte como relação. Um amigo meu, músico, compôs uma obra com o mesmo tema. Uma experiência muito positiva, muito bonita.

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