ZP11082301 - 23-08-2011
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Entrevista com David López, pintor espanhol de arte contemporânea
VALENCIA, terça-feira, 23 de agosto de 2011 ( ZENIT.org)
- O pintor David López (Valencia, 1972) expôs sua obra em Valencia,
Madri, Paris e Nova York, em mostras individuais e coletivas. Expôs
também na recente JMJ.
Ele é assessor cultural do Instituto
Cervantes de Paris. É também um dos colaboradores do pintor e iniciador
do Caminho Neocatecumenal, Kiko Argüello, na realização de pinturas
murais de ícones. ZENIT conversou com ele.
- É possível que a arte contemporânea entre em diálogo com o pensamento cristão? Como?
David López: Não só é possível como necessário. A filosofia e a
antropologia que a acompanham se traduzem em cultura. Nietzsche tem uma
consequência cultural, que é a arte de Duchamp. Quando Nietzsche morreu,
estava nascendo Duchamp como artista. Nietzsche disse "Deus não
existe", e, trinta anos depois, seu "filho" cultural diria: "A beleza
não existe". Cito Duchamp porque ele é o pai de toda a arte
contemporânea. Não existe a beleza porque não existe Deus. Ele faz uma
coisa irônica, que é pegar um mictório e colocá-lo como obra dele numa
sala de exposições.
Chamam de irônico... Mas para mim é até um ato violento. Quando
desaparece Deus, desaparece a fé, desaparece o sentido do sofrimento...
Duchamp viveu entre duas guerras mundiais, num período de ceticismo. Se
Deus não existe, como é que podemos falar de algo tão absurdo como a
beleza? E a arte segue esse caminho desde então.
Falar da beleza hoje é algo que não faz muito sentido. Mas é uma
questão que eu quero voltar a propor como valor. Escreveram centenas de
coisas sobre a beleza... A minha intenção não é propor algo novo, mas
atualizar o que sempre foi, porque já não é.
Como cristão, na minha obra sempre tem isso, porque você reflete o
que vive, faça um pássaro ou um limão. A minha recente exposição de
Valencia ia um pouco além, pois eu usei um motivo antropologicamente
cristão, para falar da existência de Deus, da existência da beleza, da
existência do sentido.
A pessoa olha uma paisagem, contempla uma paisagem, e gosta, sente um
prazer estético, um prazer ligado ao amor. E pronto, não tem por que
aprofundar mais. Nessa experiência estética tem uma matemática, mas o
espectador não precisa entendê-la. Não precisa entender cientificamente
uma laranja para gostar dela, mesmo tendo uma explicação científica: a
combinação de açúcares com aminoácidos etc.
Quando algo é belo, tem uma matemática, uma relação entre materiais,
texturas, etc. Isso compõe a beleza. A maior parte das pessoas gosta da
beleza, mas os artistas são capazes de ver intuitivamente a relação que
existe por trás dessa beleza: as matérias se dão valor mutuamente porque
estão em relação.
O artista traduz em obras, texturas, cores... Uma curva precisa de
uma reta, uma mancha precisa de uma linha, uma cor nítida precisa de uma
cor desbotada... São as ferramentas com as quais a gente recria a
beleza, na pintura, na música, onde o som precisa do silêncio.
Isso faz parte da experiência existencial do homem, e tem a ver com a
bênção: quem nunca experimentou o frio não sabe o que é o calor. Se
nunca tivéssemos passado frio, nunca poderíamos agradecer pelo fogo que
aquece... Tudo está em relação, e contribui para se dar valor
mutuamente.
Nós, artistas, traduzimos essa relação que há na matéria em formas e
cores; isso é um quadro. E esse quadro tem que ser belo na sua relação
de matérias, seja uma Nossa Senhora, um burro, ou não seja nada. Este é o
primeiro nível da arte.
Eu quero, além disso, dar um conteúdo, e este seria um segundo nível.
Essas formas que têm que "funcionar" entre si e ser belas também
precisam ter conteúdo. Porque a arte não é só relação entre matérias,
mas relação entre pessoas, é comunicação.
Este é outro aspecto que a pós-modernidade estragou, exaltando o
individualismo. Muitos artistas, se você pergunta o significado da sua
obra, negam que ela tenha significado, dizem que pintam para si mesmos,
se fecham ao diálogo, "não querem dizer nada".
E tem um terceiro nível da arte, o de relação espiritual. A arte
sempre foi espiritual, ela expressa relação com o divino, o que não se
confunde com a arte propriamente sacra. Desde as cavernas até o século
XX, a arte sempre expressou o espiritual; é precisamente no século XX
que aparece, pela primeira vez na história, a sociedade "ateia".
Sempre houve pessoas não crentes, mas nunca tinha sido uma colocação
da própria sociedade. A arte, como disse João Paulo II aos artistas, é
"nostalgia de Deus".
Por isso, para um humanista ateu de hoje, o conceito "beleza" não tem
sentido... E eles têm razão, porque neste século a beleza foi
banalizada, virou um artigo econômico. Foi usada para sublimar a
realidade, mas não para transcendê-la. Sublimar é mudar a realidade,
"fazer Photoshop"; transcender a realidade é ver através dela.
- O problema seria então chegar a um conceito universalmente aceito de beleza?
David López: Esse é o ponto. Umberto Eco disse: "Deus morreu, a
beleza deixou de existir, a história acabou". Ao desaparecer Deus,
desaparece um conceito universal da beleza, que é um dos seus atributos.
Com o relativismo e o subjetivismo, já não cabe o que é universal.
Eu cito o cineasta russo Tarkowsky, um dos grandes desta época, que
fala: "Uma imagem é uma impressão da verdade para a qual dirigirmos
nossos olhos cegos".
Tem outra questão, eu na minha obra tento colocar o universal em
relação com o particular, porque no particular, no cotidiano, estão os
universais mais importantes, como o amor.
[Por Inma Álvarez]
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