quarta-feira, 20 de julho de 2011

Certezas e incertezas da "Revolução do Jasmim" (1)

ZP11072002 - 20-07-2011
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Entrevista com arcebispo de Luxor, Dom Youannes Zacharia

CAIRO, quarta-feira, 20 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Seis meses depois da chamada "primavera árabe", que derrubou os antigos regimes dos países ribeirinhos do sul do Mediterrâneo, o que resta daquele movimento, saudado então com grande esperança?
A revolução na Praça Tahrir, no Cairo, não foi um ponto de chegada, mas de partida, e a estrada ainda é incerta: haverá um amadurecimento dessas sociedades ou a instabilidade social e política vai acabar com essas aspirações, permitindo a ascensão de grupos fundamentalistas?
Esta é a reflexão que Dom Youannes Zacharia, bispo católico de Luxor, oferece nesta entrevista de três partes, conduzida pela equipe árabe de ZENIT.
ZENIT:Acima de tudo e em geral, como o senhor descreveria a situação no Egito depois da revolução de 25 de janeiro?Qual é a sua influência, especialmente para a presença cristã?
Dom Zacharia: Primeiro, deixe-me expressar o meu agradecimento e profundo reconhecimento à equipe editora de ZENIT por todos os seus sacrifícios e seu trabalho duro para oferecer informação cristã de qualidade, especialmente através da sua edição em árabe e em outras línguas.
Em minha opinião, a situação no Egito, depois de 25 de janeiro, é escura. A estrada ainda não está clara e a viagem ainda é longa para chegar a um período de estabilidade e segurança.
Sim, a revolução foi bem sucedida na Praça da Libertação, no Cairo. Conseguiu derrubar o regime militar que governava o Egito desde a revolução de 23 de julho de 1952, libertando todos os egípcios, destruindo o muro de medo e eliminando-o de todos os corações egípcios. Encorajou-os a abandonar as suas atitudes negativas e a buscar participação na ação política. Mas o sucesso desta jovem revolução, graças a seus sacrifícios e mártires, ofereceu uma oportunidade de ouro para algumas forças políticas e comunidades religiosas que estavam proibidas e eram perseguidas sob o regime anterior; quebraram o silêncio e trabalharam duramente, aproveitando esta oportunidade para alcançar seus objetivos, tanto políticos como religiosos.
Quanto à presença de cristãos egípcios, percebi o fim do silêncio e da negatividade que caracterizavam muitos cristãos egípcios, especialmente depois da revolução de 23 de julho de 1952. A presença de cristãos egípcios na Praça da Libertação foi honesta, ativa e construtiva, especialmente a dos jovens cristãos. Até agora, sua participação nos acontecimentos atuais ainda está viva e eficaz, e sua presença em conferências nacionais e comitês populares reflete sua preocupação sobre os assuntos da nação, e que estão preparados para ajudar no seu desenvolvimento.
Espero que a presença dos cristãos egípcios seja caracterizada pela unidade, renuncie a divergências denominacionais e não seja isolada. Mas é preciso dialogar e cooperar com todas as forças políticas e religiosas presentes no panorama egípcio.
ZENIT:O aumento de movimentos radicais de vários partidos é uma realidade...Os coptas do Egito poderão se adaptar aos últimos acontecimentos?
Dom Zacharia: Após a revolução de 25 de janeiro, a volta à liberdade política no Egito e a queda do muro do medo, o cenário egípcio testemunhou o ressurgimento de muitas comunidades religiosas e de forças políticas que não eram reconhecidas pelo regime anterior, que nunca cooperou com elas e tentava eliminá-las.
Eu acho que essas comunidades religiosas e as forças políticas precisam de mais tempo e esforço para chegar a uma fase de maturidade política em todo o país, para serem capazes de aceitar os que são diferentes deles em matéria de religião, de opinião, crença e pensamento e, finalmente, cooperar com todos os egípcios, sem exceção, e trabalhar juntos para uma vida melhor e um novo estado desenvolvido.
Se estas comunidades religiosas e as forças políticas forem capazes de evoluir e aceitar os partidos diferentes deles em termos de religião e de pensamento, os coptas do Egito cooperarão e viverão juntos em paz.
ZENIT:Todo mundo está pedindo um estado civil, mas as estimativas no Egito dizem que está mais próximo de um estado religioso...Eminência, o que o senhor acha?
Dom Zacharia: A experiência do povo e a história da nação mostram que um estado religioso que acredita em uma determinada religião, credo ou doutrina está condenado ao fracasso, seja no Ocidente ou no Oriente.
Nos tempos modernos, vemos que, em todos os estados e cidades do mundo, no leste ou oeste, há muitas pessoas que têm diferentes religiões, crenças e doutrinas, mas procuram viver em paz e harmonia. Para a segurança da nação em que vivem, pedem a todos que respeitem a religião e a doutrina do outro e convidam todos os cidadãos a colaborar com os outros para o bem-estar da sociedade. Portanto, a criação de um estado religioso não cria a paz interna e nega os direitos legítimos do grupo que professa uma religião diferente da do Estado.
A este propósito, recordo o que Jesus disse: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é Deus", e me lembro também do slogan da revolução de 1919, quando os muçulmanos e coptas repetiam, gritando contra o colonizador inglês: "A religião é de Deus e a nação é para todos!", e pediam a criação de um estado civil que respeitasse os direitos de todos os cidadãos.
A doutrina religiosa e os pensamentos de fé em que as pessoas acreditam são muito importantes no que diz respeito às relações íntimas entre Deus e o homem, e entre este e seus semelhantes. Também têm muita força na vida cotidiana e social do homem. Quando a doutrina religiosa está longe da praga horrível do fanatismo, do ódio e da ignorância, é capaz de construir uma casa e plantar sementes de amor e paz. Finalmente, todos os egípcios têm de manter suas crenças, sejam eles muçulmanos ou cristãos, e construir relações cordiais com base no respeito mútuo, progredindo no diálogo e na cooperação construtiva para servir a sociedade e o país.
ZENIT:Sohag e Qena, as duas províncias mais próximas do senhor, testemunharam, nos últimos dois anos, o aumento de uma crise sem precedentes, que levou à morte de alguns coptas... Em sua opinião, quais são as verdadeiras razões deste aumento?
Dom Zacharia: Sim, ultimamente, estes eventos dolorosos entre muçulmanos e cristãos têm aumentado em todas as províncias e em todo o país, e os coptas têm sofrido muita dor e sacrifício, além da perda de vidas e bens. Penso que as razões são principalmente a ignorância, a pobreza e as doenças físicas e psicológicas que muitos dos cristãos egípcios e muçulmanos sofrem. Além disso, existem as tensões sectárias e desentendimentos criados pelo antigo regime em algumas cidades e em algumas partes do país. Além disso, não posso excluir algumas conspirações e razões internas e externas que buscam desestabilizar a situação interna e obter benefícios sectários.
ZENIT:O que os coptas pensam daqueles que falam da possibilidade de implementar a lei islâmica ou impor o sistema fiscal no novo Egito, ao se formar um governo islâmico?
Dom Zacharia: Não posso falar em nome dos coptas, mas posso dar minha opinião pessoal. Se os irmãos muçulmanos estão convencidos de que a implementação da lei islâmica é inevitável, eu não me importo, mas se for só para eles. Para os não-muçulmanos, deveria haver uma aplicação de suas leis e dos princípios de suas doutrinas.
No que diz respeito à imposição de um sistema tributário, há uma série de juízos interpretativos e estudos feitos por especialistas muçulmanos que rejeitam este sistema e argumentam que o imposto criado no começo da era islâmica buscava defender os não-muçulmanos. E em nossa era moderna, todos os cidadãos a defendem. O sistema de diferentes impostos e taxas de governo substituiu o sistema tributário. Eu acredito que este sistema não será imposto no Egito de forma alguma; e como cidadão cristão egípcio, rejeito categoricamente ser forçado pelo meu governo a pagar um imposto para poder preservar a minha religião.

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