No
livro Por que Freud rejeitou Deus ? a psicanalista Ana Maria Rizzuto
interpreta elementos contidos na teoria freudiana e em seu
desenvolvimento para mostrar as razões que fizeram de Freud um opositor
ferrenho da religiosidade e suas instituições. Na entrevista concedida
por e-mail à IHU On-Line, Ana diz que “circunstâncias pessoais da vida
de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da
sensação de proteção”. Ana-Maria Rizzuto é psicanalista latino-americana
radicada nos Estados Unidos. Trabalha criticamente as teorias de
Sigmund Freud.
IHU On-Line – Por que Freud rejeitou Deus?
Ana-Maria Rizzuto – Circunstâncias pessoais da vida
de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da
sensação de proteção. Seus primeiros anos de vida foram marcados por
mortes significativas: seu avô paterno, seu tio e seu irmão Julius. A
última morte marcou a experiência psíquica de Freud para toda a vida.
Ele teve outras perdas: sua babá, a quem foi superapegado, desapareceu
de sua vida sem dar notícia. Freud, quando era pequeno, saiu de sua
cidade natal, e seu pai perdeu o emprego. Depois, entrou para a escola
pública, e pegaram seu tio favorito contrabandeando, prenderam-no e
julgaram-no. Em suma, nenhum dos adultos com os quais Freud precisou
contar foram capazes de oferecer-lhe proteção e segurança. Eles falharam
com Freud de uma maneira ou de outra. Meus estudos mostram que crianças
precisam de modelos de confiança e figuras adultas para dar forma a uma
representação de Deus que seja acreditável. Freud não teve essa
experiência. Ele sentiu que tinha que tomar conta dele mesmo, sozinho.
Para ele, em suas palavras, “não há nenhuma Providência” para prestar
atenção nele. Como cientista, ele acreditou apenas nos métodos
científicos que implica que tudo que não é provado cientificamente não
existe. Esse segundo fator contribuiu para consolidar sua descrença na
existência divina.
IHU On-Line – Qual a imagem que Freud tinha de Deus?
Ana-Maria Rizzuto – Eu não analisei Freud. Minha
resposta não vem da exploração de sua mente, mas dos acessos indiretos
que tive a seus escritos. De sua experiência, Freud concluiu que Deus
descrito pela religião como uma divindade que nos protege, não existe.
Na consciência dele, a representação de Deus clamava por um aspecto de
proteção. A experiência emocional de Freud indicava para ele que nenhuma
das figuras paternas nem os adultos de sua vida foram capazes de
protegê-lo das perdas profundas e do sofrimento. Ele não teve
experiências para formar sua crença na representação da providência e
proteção de Deus.
IHU On-Line - Quem é Deus para Freud? Como definir Deus pelo olhar da psicanálise?
Ana-Maria Rizzuto – Freud demonstrou com material
clínico que Deus e a opinião religiosa eram formadas como resultado da
transformação das representações paternas, assim como no complexo de
Édipo. Tal conclusão foi a mais significativa contribuição de Freud para
a psicologia da religião. Pesquisas no mundo todo confirmaram as
conclusões de Freud. Para Freud, Deus é construído sobre a representação
do pai. Ele dizia que Deus é “uma exaltação do pai”, “uma sublimação do
pai”, “um substituto do pai”, “uma cópia do pai” e finalmente que “Deus
é o pai”. Freud negligenciou examinar o significado da mãe na formação
da representação de Deus. Psicanálise é uma disciplina empírica e
teórica. Sua metodologia não permite nenhuma conclusão sobre a
existência de alguma divindade, pois tal divindade não pode ser
sujeitada à pesquisa empírica. Apesar de tudo, psicanalistas observam
que as pessoas acreditam em Deus ou que elas rejeitam Deus. Isso
significa que elas têm uma representação de Deus que foi formada em suas
mentes durante seu processo de crescimento. Acreditando ou não, a real
existência de Deus não faz parte da psicanálise. E isso está diretamente
relacionado com a qualidade das nossas relações emocionais com nossos
pais, adultos e figuras religiosas.
IHU On-Line - Deus e Freud estão em campos opostos?
Ana-Maria Rizzuto – Não. Freud elucidou as Escolas de
Psicologia da crença em Deus e a elaboração psíquica da representação
da divindade. Freud, o homem, poderia não acreditar por causa de suas
próprias experiências, cultura e circunstâncias científicas. Ele foi
convencido de que a religião era essencialmente uma defesa baseada na
projeção da figura paterna dentro de uma proteção e providência de Deus.
Ele acreditou que a ciência poderia ajudar seres humanos a desistir da
religião e renunciar ao desejo por proteção, como ele escreveu em The
Future of an Illusion. Nas últimas décadas, a psicanálise aceitou e
ampliou as dinâmicas freudianas no entendimento da formação da
representação de Deus e aceitou que crença e necessidades espirituais
são componentes significativos dos seres humanos.
(Fonte: http://www.unisinos.br/ihu)
(Fonte: http://www.unisinos.br/ihu)
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