domingo, 12 de junho de 2011

Por que Freud rejeitou Deus? - Entrevista Ana-Maria Rizzuto


No livro Por que Freud rejeitou Deus ? a psicanalista Ana Maria Rizzuto interpreta elementos contidos na teoria freudiana e em seu desenvolvimento para mostrar as razões que fizeram de Freud um opositor ferrenho da religiosidade e suas instituições. Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Ana diz que “circunstâncias pessoais da vida de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da sensação de proteção”. Ana-Maria Rizzuto é psicanalista latino-americana radicada nos Estados Unidos. Trabalha criticamente as teorias de Sigmund Freud. 
IHU On-Line – Por que Freud rejeitou Deus?
Ana-Maria Rizzuto – Circunstâncias pessoais da vida de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da sensação de proteção. Seus primeiros anos de vida foram marcados por mortes significativas: seu avô paterno, seu tio e seu irmão Julius. A última morte marcou a experiência psíquica de Freud para toda a vida. Ele teve outras perdas: sua babá, a quem foi superapegado, desapareceu de sua vida sem dar notícia. Freud, quando era pequeno, saiu de sua cidade natal, e seu pai perdeu o emprego. Depois, entrou para a escola pública, e pegaram seu tio favorito contrabandeando, prenderam-no e julgaram-no. Em suma, nenhum dos adultos com os quais Freud precisou contar foram capazes de oferecer-lhe proteção e segurança. Eles falharam com Freud de uma maneira ou de outra. Meus estudos mostram que crianças precisam de modelos de confiança e figuras adultas para dar forma a uma representação de Deus que seja acreditável. Freud não teve essa experiência. Ele sentiu que tinha que tomar conta dele mesmo, sozinho. Para ele, em suas palavras, “não há nenhuma Providência” para prestar atenção nele. Como cientista, ele acreditou apenas nos métodos científicos que implica que tudo que não é provado cientificamente não existe. Esse segundo fator contribuiu para consolidar sua descrença na existência divina.
IHU On-Line – Qual a imagem que Freud tinha de Deus?
Ana-Maria Rizzuto – Eu não analisei Freud. Minha resposta não vem da exploração de sua mente, mas dos acessos indiretos que tive a seus escritos. De sua experiência, Freud concluiu que Deus descrito pela religião como uma divindade que nos protege, não existe. Na consciência dele, a representação de Deus clamava por um aspecto de proteção. A experiência emocional de Freud indicava para ele que nenhuma das figuras paternas nem os adultos de sua vida foram capazes de protegê-lo das perdas profundas e do sofrimento. Ele não teve experiências para formar sua crença na representação da providência e proteção de Deus.
IHU On-Line - Quem é Deus para Freud? Como definir Deus pelo olhar da psicanálise?
Ana-Maria Rizzuto – Freud demonstrou com material clínico que Deus e a opinião religiosa eram formadas como resultado da transformação das representações paternas, assim como no complexo de Édipo. Tal conclusão foi a mais significativa contribuição de Freud para a psicologia da religião. Pesquisas no mundo todo confirmaram as conclusões de Freud. Para Freud, Deus é construído sobre a representação do pai. Ele dizia que Deus é “uma exaltação do pai”, “uma sublimação do pai”, “um substituto do pai”, “uma cópia do pai” e finalmente que “Deus é o pai”. Freud negligenciou examinar o significado da mãe na formação da representação de Deus. Psicanálise é uma disciplina empírica e teórica. Sua metodologia não permite nenhuma conclusão sobre a existência de alguma divindade, pois tal divindade não pode ser sujeitada à pesquisa empírica. Apesar de tudo, psicanalistas observam que as pessoas acreditam em Deus ou que elas rejeitam Deus. Isso significa que elas têm uma representação de Deus que foi formada em suas mentes durante seu processo de crescimento. Acreditando ou não, a real existência de Deus não faz parte da psicanálise. E isso está diretamente relacionado com a qualidade das nossas relações emocionais com nossos pais, adultos e figuras religiosas.
IHU On-Line - Deus e Freud estão em campos opostos?
Ana-Maria Rizzuto – Não. Freud elucidou as Escolas de Psicologia da crença em Deus e a elaboração psíquica da representação da divindade. Freud, o homem, poderia não acreditar por causa de suas próprias experiências, cultura e circunstâncias científicas. Ele foi convencido de que a religião era essencialmente uma defesa baseada na projeção da figura paterna dentro de uma proteção e providência de Deus. Ele acreditou que a ciência poderia ajudar seres humanos a desistir da religião e renunciar ao desejo por proteção, como ele escreveu em The Future of an Illusion. Nas últimas décadas, a psicanálise aceitou e ampliou as dinâmicas freudianas no entendimento da formação da representação de Deus e aceitou que crença e necessidades espirituais são componentes significativos dos seres humanos.
(Fonte: http://www.unisinos.br/ihu)

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