domingo, 3 de abril de 2011

Globalizar a solidariedade

ZP11040301 - 03-04-2011
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Entrevista com um responsável da Cáritas para a África

ROMA, domingo, 3 de abril de 2011 (ZENIT.org) - A trágica história da África ecoa em seu difícil presente, mas, segundo um responsável para a África da rede Cáritas, sua situação seria realmente dramática se não fosse pela Igreja Católica.
Nascido no Congo, o padre Pierre Cibambo Ntakobajira viu com seus próprios olhos a contribuição da Igreja para o continente. “Não sei qual seria a situação da África hoje se a Igreja não fosse tão dinâmica”, afirma.

Nesta entrevista, o sacerdote fala de sua própria história como católico e da necessidade permanente de “globalizar a solidariedade”.

–O senhor nasceu na República Democrática do Congo. Cresceu em um ambiente católico?
–Padre Ntakobajira: Em 1955, quando nasci, meus pais não eram cristãos. Não eram católicos. Viviam sua religião tradicional. Alguns de meus irmãos e irmãs já eram católicos, mas meus pais não.

–Custou-lhes aceitar a notícia de seu desejo de ser sacerdote?
–Padre Ntakobajira: Comecei a escola primária aos 7 anos e fui batizado em 1966. Tinha 11 anos e recebi o batismo dois anos antes de minha mãe, porque frequentava uma escola católica. Para mim era fácil ter contato com a fé católica.

–Você deixou Bukavu, no Congo, e foi para a Bélgica, estudar na Universidade Católica dali. Depois foi para o Canadá, ao Instituto Canadense para a Resolução de Conflitos. Por que deixou Bukavu?

–Padre Ntakobajira: Foi meu bispo que me pediu que fosse estudar para melhorar nossa participação no trabalho social e de desenvolvimento. Por isso fui à Bélgica. Estive ali três anos. Voltei ao meu país em 1994. Foi precisamente durante o genocídio em Ruanda. Pediram-me para assumir o escritório diocesano da Cáritas, para ajudar a organizar o trabalho em minha diocese, para auxiliar os muitos refugiados de Ruanda que naquele momento cruzavam a fronteira para entrar no Congo.

–Em um estudo da ONU de mais de 50 países subdesenvolvidos, 34 nações africanas formam parte da lista. Por que a África parece o continente do sofrimento?

–Padre Ntakobajira: Creio que levaria muito tempo para falar disso. Mas diria que é o resultado de uma combinação de muitos fatores: a perspectiva histórica, os sistemas econômicos internacionais, o governo e a cultura. É uma combinação de todos esses fatores. Ao fazer referência à história da África, é necessário que compreendamos que a história do continente é triste – a escravidão, por exemplo, e suas consequências. É uma história de colonialismo e exploração. Não é suficiente para explicar e justificar a situação atual, mas tem muito a ver com o que estamos dizendo da situação da África.

–Isso também tem a ver com a política e os governos atuais?
–Padre Ntakobajira: Durante muitos anos, o continente africano, e muitos dos países do continente, estiveram nas mãos de pessoas que foram postas ali não por serem adequadas, mas porque serviam aos interesses de outros. Durante a Guerra Fria, no Congo, por exemplo, tivemos Mobutu durante 32 anos, um homem que não fez nada para o Congo. O que sofremos no Congo hoje tem suas raízes naquela era. Mobutu foi posto no contexto da Guerra Fria, apoiado e com dinheiro da comunidade internacional, mas fazendo seus próprios negócios com este dinheiro e não desenvolvendo o país. É um país quatro vezes maior que a França, com 60 milhões de pessoas. Temos todos os recursos naturais que se podem imaginar. É como um paraíso e, ainda assim, as pessoas morrem de fome. Imagina isso?

–A África tem algumas das maiores riquezas naturais, mas sofre uma grande pobreza. É uma contradição que exige resposta.
–Padre Ntakobajira: Estes vários recursos naturais têm sido explorados por empresas externas e podemos ver que este mesmos recursos naturais são a principal razão da guerra que está causando estragos em países como o Congo. Em muitos países onde há petróleo, ouro e diamante, estabelece-se a miséria. Ter todas essas riquezas em seu solo parece ser uma maldição... Estes recursos são explorados e os lucros se gastam em armas que são trazidas para o país. No Congo, sobretudo na região oriental, sofremos com os que foram responsáveis pelo genocídio em Ruanda. Eles entraram no Congo e agora ocupam várias áreas do país, onde estão extraindo os recursos naturais e vendendo tudo para as companhias do exterior. Assim compram armas e se preparam para a guerra, para assassinar a população local e ameaçar a segurança da região. É um desastre.

–A Igreja católica é vital. Falando da educação na África, oferece educação para cerca de 1 milhão de crianças e tem mais de 2 mil hospitais, sem mencionar clínicas e orfanatos. Até que ponto é importante o trabalho da Igreja católica, ao manter essa infra-estrutura nas nações africanas?
–Padre Ntakobajira: Na África, graças a Deus, temos a Igreja, sobretudo a Igreja católica. Não sei qual seria a situação do continente hoje se a Igreja não fosse tão dinâmica. No Congo, eu venho da arquidiocese de Bakuvu, que gerencia 10 hospitais e mais de 200 centros de saúde. Assim se pode imaginar o compromisso e o impacto que a Igreja local tem nesta área, e todo mundo reconhece. A Igreja contribui muito para melhorar a situação das pessoas, sobretudo na educação e na saúde.

–Até que ponto é importante o trabalho de organizações como Cáritas, Ajuda à Igreja que Sofre e outras organizações beneficentes?

–Padre Ntakobajira: João Paulo II fez um apelo a todo o mundo que dizia: é necessário que globalizemos a solidariedade. As organizações católicas como AIS e Cáritas são uma forma concreta de globalizar a solidariedade, segundo o Evangelho e a doutrina social da Igreja. Por isso, é muito importante que estas organizações apoiem as Igrejas locais, porque elas necessitam de apoio em sua luta diária.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Onde Deus chora", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

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