Por: JOHN MARY WALLIGO, Teólogo ugandês
Como
sempre, no penúltimo domingo deste mês – no dia 24 de Outubro –
celebramos o Dia Mundial das Missões. O Especial que se segue, dedicado à
Igreja africana, procura rever as suas alegrias e angústias do passado,
avaliar criticamente o presente e apresentar uma visão do futuro. Essa
visão tem em conta dois pontos de viragem da História da África e da sua
Igreja, a saber: o genocídio ruandês e o Sínodo Africano.
Dentro
de três meses, começaremos oficialmente a celebração do Grande Jubileu
do Ano 2000, em memória do nascimento de Jesus Cristo, o salvador e o
libertador da humanidade, o Senhor do mundo e do cosmos. Há três anos
que a Igreja Católica se prepara para este grande evento, através da
renovação de si enquanto instituição e dos seus membros. Tem-no feito
através de uma profunda reflexão sobre o que é que Jesus Cristo
significa realmente para os cristãos, sobre o papel do Espírito nas suas
vidas e sobre o impacte que o Deus de amor e misericórdia, o Pai de
todos tem sobre a história humana.
Somos
privilegiados em viver neste tempo especial. A transição do século XX
para o século XXI deve ser para nós cristãos uma ocasião importante. O
discurso de Pedro à multidão em Jerusalém no dia de Pentecostes
aplica-se a nós que entramos nesta nova era. Citando o profeta Joel, ele
diz: «Nos últimos dias – diz o Senhor – derramarei o Espírito sobre
toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de profetizar;
os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos terão sonhos.
Certamente, sobre os meus servos e as minhas servas derramarei o meu
Espírito.» (Actos, 2, 17-18)
Este
é um tempo apropriado para fazer uma análise crítica da presença do
cristianismo em África durante estes dois mil anos e, em particular,
durante este último século. É o tempo próprio para os cristãos africanos
se sentarem à volta da tradicional fogueira ou debaixo das árvores,
para partilharem histórias e experiências de vida sobre o que a mensagem
cristã lhes deu e o que por ela fizeram durante o longo processo de
relacionamento. Este é o tempo propício para avaliar o nosso passado,
ver o que foi bem feito, o que se fez de errado e o que fica para ser
feito na evangelização da África. Este é o tempo adequado para ter
sonhos e novas visões para o futuro do cristianismo em África.
Alegrias e angústias passadas
A
história do cristianismo africano durante os primeiros séculos é uma
fonte de grandes alegrias, mas também de profundas angústias e amargas
lições. O cristianismo floresceu na África do Norte, tendo como centros
Alexandria e Cartago. A África produziu excelentes teólogos,
intelectuais, santos e mártires, tanto homens como mulheres. O
cristianismo difundiu-se na Etiópia e na Núbia, no coração do
continente. A África produziu pelo menos três papas durante este período
e introduziu na Igreja a vida monástica, que depressa se estendeu a
leste e a ocidente. De facto, durante os primeiros séculos, a África
contribuiu grandemente para o crescimento da doutrina e da moral
cristãs.
Este
primitivo cristianismo africano, todavia, não conseguiu resistir à
ameaça islâmica. Aliás, foi totalmente varrido da zona norte do
continente, excepto do Egipto, onde sobreviveu em alguns lugares. Até na
Núbia, depois de um período florescente entre os séculos VIII e XIII,
que culminou com a criação do reino cristão da Núbia, a fé desapareceu
como resultado da invasão turca. A Igreja sobreviveu só na Etiópia, mas
sem dinâmica missionária. As várias tentativas, ao longo dos séculos,
para fazer reviver a cristandade primitiva no Norte de África
fracassaram. A lição é clara: o que aconteceu uma vez pode acontecer de
novo. A história, não obstante tudo, repete-se.
A
segunda vaga de evangelização da África – a partir do século XV e tendo
como objectivo levar a fé cristã aos territórios sub-sarianos – foi um
fracasso maior que o anterior. Tendo chegado a Angola, a Moçambique, a
Madagáscar, ao Reino do Congo, às principais ilhas da costa ocidental e
oriental do continente, ela desapareceu, sem deixar marcas, no princípio
do século XVIII. Apesar de numerosos africanos terem aceite a nova fé e
muitos se terem tornado eles mesmos evangelizadores. De entre eles
ficou famoso o príncipe Henrique, filho de Afonso, rei cristão do Congo,
que foi consagrado bispo em Roma em 1521, tornando-se, assim, o
primeiro bispo africano a sul do Sara.
As
causas deste segundo desaparecimento do cristianismo foram bem
analisadas pelos historiadores. As principais são duas. A primeira é que
o cristianismo não podia coexistir com o abominável comércio de
escravos. A segunda deve-se ao facto que o sistema do Padroado – pelo
qual ao rei de Portugal era confiado pelo Papa a fundação e dotação de
sedes episcopais, capelanias e conventos, e o direito de nomear párocos e
cobrar as contribuições eclesiásticas – era caracterizado por uma
rejeição obstinada dos missionários de outros países, que eram vistos
como uma potencial ameaça para o império português. Daí que, cedo, a
falta de pessoal missionário não permitiu continuar com o trabalho
começado.
A
lição que fica é importante: se, depois de 300 anos de evangelização, o
cristianismo levado e tutelado pelo padroado português desapareceu,
então nunca devemos tomar as coisas por adquiridas. O optimismo ingénuo
não deve ter lugar no trabalho de evangelização.
O
terceiro encontro de África com o Evangelho começou no século XIX e
estendeu-se aos nossos dias. Alguém o definiu como «a época de conversão
mais próspera em toda a história da Igreja». Muitos cristãos africanos,
institutos missionários estrangeiros e a Igreja Católica como um todo
estão muito satisfeitos com o que se conseguiu com esta nova tentativa
de evangelização. Hoje, o continente conta com mais de 500 dioceses,
muitas delas com bispos africanos. Padres, religiosos e religiosas
africanos são aos milhares. Catequistas a tempo inteiro são mais de dez
mil. Os baptizados são cerca de 110 milhões. Escolas, clínicas,
projectos de desenvolvimento são numerosos. A teologia africana – nas
suas várias correntes – avançou muito. O Vaticano II trouxe nova vida à
Igreja africana; o Sínodo Africano de 1994 sugeriu novas iniciativas e
direcções.
Ao
mesmo tempo que temos o direito de estar contentes com tudo o que se
conseguiu, cometeríamos um erro fatal se não reconhecêssemos os grandes
problemas, preocupações e desafios que se põem ao cristianismo africano.
Só uma análise crítica dos mesmos pode ajudar-nos a forjar uma nova
visão para o século vindouro. A atitude correcta para celebrar o Jubileu
2000, consequentemente, não é nem uma complacência envaidecida nem um
pessimismo desencorajante. Temos, efectivamente, motivos de júbilo, mas a
situação presente força-nos a repensar todos os nossos planos.
Mensagem da vida
Na
nossa avaliação do actual cristianismo africano, a ênfase deve ser
posta na própria «mensagem da vida», nos evangelizadores, nos agentes
pastorais e nos seus métodos e meios de evangelização. A natureza e
profundidade da conversão e o impacte do cristianismo no mundo africano
deve ser avaliado examinando a qualidade de vida dos africanos, a sua
identidade e história, as suas culturas e religiões tradicionais, a sua
moralidade e filosofia, a sua visão do mundo, as suas lutas de
libertação e o seu contributo para o enriquecimento do cristianismo e da
Igreja universal.
De
entre as perguntas que devemos colocar ao fazermos esta avaliação e
encontrarmos uma visão para o futuro, as seguintes merecem particular
atenção: qual é a novidade particular que o cristianismo introduziu e
desenvolveu em África durante os últimos dois mil anos e especialmente
durante o século XX? Terá a vida dos cristãos africanos melhorado em
relação à dos seus antepassados pré-cristãos? Terão conseguido tornar
sua a mensagem do Evangelho e a Igreja, ou são as duas realidades ainda
consideradas como «estrangeiras»? A maioria dos cristãos africanos
aprecia a sua nova identidade ou considera-a como um peso insuportável?
Terão os cristãos tido a liberdade suficiente para enriquecer a Igreja
universal e a mensagem cristã, ou foram vistos sobretudo como meros
receptores de um pacote comercial?
Neste
contexto, é importante definir «missão». Por missão eu entendo o povo
africano, os católicos africanos, possuidores da mensagem cristã. Quem
são? Em que categorias podemos classificá-los? Quais são os seus actuais
problemas e tensões? Quais são as formas da sua sistemática escravidão e
exploração? Que ameaças e injustiças institucionalizadas ainda
experimentam? Obviamente, nunca se deve generalizar. Os líderes
eclesiais têm as suas alegrias e angústias. As famílias católicas, os
sectores sociais vulneráveis, todo o Povo de Deus tem também as suas
alegrias e angústias. Todo o Povo de Deus tem os seus medos e
esperanças. Entre os baptizados há muitos com uma fé e convicção
superficial. Muitos deles falharam em integrar o cristianismo com as
exigências da sua religião e moralidade tradicionais e, por isso,
conduzem uma existência «dualística». Outros, pelo contrário, fazem o
seu melhor para serem simultânea e verdadeiramente africanos e cristãos.
Qualquer visão do cristianismo em África deve tomar seriamente em
consideração estas duas categorias de cristãos.
Tarefa inacabada
A
primeira evangelização em África está longe de ter acabado. Na
proclamação massiva da Boa Nova aos povos africanos durante este século,
várias sociedades e inteiras áreas foram deixadas de lado, por uma
razão ou por outra. No caso do Uganda, os Ik, povo das montanhas, no
Karamoja, e os Bambuti da Província Ocidental foram negligenciados por
causa das duras condições em que vivem. Em cada país africano há povos
que foram ignorados pelos evangelizadores.
Ao
mesmo tempo, muitas sociedades africanas resistiram à Boa Nova,
principalmente porque era apresentada duma maneira irrelevante, senão
mesmo perigosa para a maneira de viver do povo. Estas sociedades são
sobretudo de cultura nómada e pastoril por natureza. Tais grupos étnicos
incluem os Karimojong, os Turkana, os Masai e outros na África
oriental. Gostam dos aspectos materiais da Igreja, mas a sua mensagem
não os atrai. O modo como o cristianismo lhes foi – e ainda é –
apresentado parece-lhes apropriado para povos sedentários e agrícolas,
ou povos com uma «fraca» cultura tradicional. Por último, outras
sociedades africanas ouviram a mensagem cristã, mas mantiveram-na o mais
superficialmente possível, de modo que não penetra nas suas vidas
reais, culturas e visões do mundo. Quando muito, são meros simpatizantes
da Igreja.
Todos
estes grupos humanos nos desafiam, como agentes da mensagem evangélica
e, sobretudo, desafiam os nossos métodos pastorais. Esta tarefa
incompleta da evangelização pede-nos uma nova visão, uma nova preparação
de agentes pastorais e uma nova proclamação da mensagem da vida. Para
fazê-lo de uma maneira aceitável, a Igreja africana precisa de maior
liberdade do que tem tido até agora para pensar, planear e implementar a
evangelização.
Mesmo
onde o Evangelho chegou, a evangelização foi parcial. Em muitos
lugares, ela concentrou-se meramente na libertação espiritual; noutros,
dirigiu-se ao desenvolvimento humano e espiritual, mas deixou de fora a
libertação mental; em muitos casos, esquivou-se completamente à
libertação económica e política. Demasiadas vezes, a evangelização foi
tímida a confrontar as muitas injustiças sociais, que ainda oprimem os
sectores vulneráveis da sociedade. Houve acordos indignos e conspiração
de silêncio. Em muitas ocasiões, a maneira como a mensagem cristã foi
apresentada não deu a impressão clara de que era contra todos os tipos
de servidão que ofendem a dignidade e os direitos humanos. Estes
falhanços parciais reclamam uma mudança, uma nova ênfase, uma nova
coragem. A visão que queremos ter para o século XXI deve ter em conta
estes desafios.
Inculturação
Na exortação pós-sinodal - A Igreja em África
- João Paulo II insiste na ideia que a inculturação é a chave para o
cristianismo africano: «O Sínodo considera a inculturação uma prioridade
e uma urgência na vida das Igrejas particulares, para a real radicação
do Evangelho em África, uma exigência da evangelização, uma
caminhada rumo a uma plena evangelização, um dos maiores desafios para a
Igreja no continente ao avizinhar-se o terceiro milénio.» (A Igreja em
África, 59)
Todavia,
uma vez mais, a mensagem do Papa encontrou em muitos líderes eclesiais
africanos ouvidos moucos. Muitos bispos e padres falam de inculturação,
mas negam-na na prática. Ora, sem genuína, profunda e sapiente
inculturação, os cristãos africanos nunca se apropriarão da fé. Se o
cristianismo não se africanizar, o seu futuro, no longo andar, não pode
ser totalmente garantido. A inculturação que «salvará» o cristianismo
africano não pode ser superficial, a mera tradução da fé para a cultura,
mas aquela que também começa na cultura e no contexto real e chega à
fé, parte da injustiça para a libertação. O século vindouro deve ser
visto nesta perspectiva. Requer-se coragem, liberdade de pensamento e
participação activa de todos os cristãos africanos. Não haverá desculpa
para a ignorância das realidades e exigências africanas. Devemos aceitar
totalmente ou a responsabilidade pelo reforço do cristianismo através
da inculturação ou pelo seu enfraquecimento pelo facto de não se
atenderem os desafios que os cristãos enfrentam.
Libertação integral
A
África, não obstante ser rica em humanidade, culturas e recursos
naturais, tornou-se no século XX o continente mais pobre de todos.
Frequentemente é referido como «o continente doente e sem futuro». Está a
ser estrangulado por uma insuportável dívida externa, cuja amortização
está a enriquecer diariamente as opulentas sociedades ocidentais. Está a
ser dizimado pela epidemia da sida e por outras doenças, que já foram
erradicadas em outras partes do mundo. É em África que o analfabetismo, a
pobreza, a ignorância, a doença e a exploração podem ser testemunhadas
no seu pior. A moralidade cristã e humana nunca poderão tolerar que
menos de metade da população do mundo seja livre e viva abundantemente,
enquanto a maior parte é escravizada pela pobreza, e não consegue
satisfazer as necessidades básicas da vida. A libertação económica da
África é o maior desafio para o cristianismo africano no século XXI. Os
países ricos, de acordo com as exigências do jubileu bíblico, deviam
cancelar a sua dívida externa. A solidariedade humana devia unir-se para
eliminar a pobreza em África. A pregação cristã devia apontar
claramente como prioridade o desenvolvimento ecodesfavorecidos deve
tornar-se o âmago do cristianismo africano. A justiça social deve
tornar-se a sua pedra-de-toque no novo século. Os cristãos africanos
devem unir-se com todas as pessoas de boa vontade para conseguir a
libertação política da África. É tempo de levantar-se e dizer não às
guerras em África, não ao comércio de armamento, não ao genocídio, não
às condições que causam milhões de refugiados, não à ditadura, não ao
abuso de poder e não à exploração do Povo de Deus. O que a África
precisa e requer é paz para todos, justiça para todos, democracia para
todos e desenvolvimento para todos. A Igreja em África tem um mandato
claro para ser um verdadeiro agente de libertação e para dizer,
juntamente com todo o Povo de Deus, não a tudo o que torna o continente
escravo, pobre e repudiado.
Esta
visão deve tornar-se parte integral da experiência cristã em África.
Ela tem que imbuir as mentes e os corações de todos os agentes pastorais
e dos líderes eclesiais. Sem esta tomada de posição, o cristianismo e a
Igreja perderão a sua credibilidade no continente. O manifesto
de Jesus Cristo, tal como é apresentado em Lucas 4,18-19, deve
tornar-se a bandeira do cristianismo africano no século XXI: «O Espírito
do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos
pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a
recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um
ano favorável da parte do Senhor.»
Uma Igreja adulta
Um
sonho pode, obviamente, ser pura fantasia; uma visão o mero resultado
de uma alucinação. Há, todavia, condições para que um sonho seja
realístico e para que uma visão seja verdadeiramente inspiradora.
Relativamente à Igreja africana do terceiro milénio, as condições são
três: que possa auto-sustentar-se, ser auto-suficiente a nível
ministerial e seja missionária.
Já
em meados do século XIX, Henry Venn, da Sociedade da Igreja
Missionária, se referiu a estas três condições indispensáveis para que
uma Igreja local o fosse realmente. Infelizmente, uma fraca teologia da
Igreja e da missão contribui para deixar a Igreja africana ao nível de
«missão», em vez de levá-la ao pleno estatuto de Igreja local, que é:
uma Igreja capaz de agir e tomar decisões por si; capaz de servir o seu
próprio povo através de ministros surgidos no seu seio; capaz de
recolher entre os seus fiéis dinheiro suficiente para continuar o seu
trabalho; e preparada para se abrir ao resto do mundo com verdadeiro
espírito missionário.
Não
seria preciso afirmar que a aceitação destes desafios nunca deve pôr em
causa a universalidade da fé cristã, nem dos evangelizadores. Mas
também é verdade que só sendo uma Igreja autenticamente local e
continental a Igreja Católica africana será capaz de cumprir o mandato
de se evangelizar a si e aos outros continentes.
Em
síntese, esta é a visão que tenho para a Igreja africana do próximo
século. Estou consciente de que não está completa. Cada um deve
acrescentar-lhe qualquer coisa. Todavia, estou convencido que só a
partir desta visão – ou de uma que se lhe assemelhe – podemos planear o
nosso futuro e escolher os meios correctos para a implementar com
esperança e entusiasmo.
O
meu apelo dirige-se a cada Igreja local em África para que tenha tempo
de sonhar, ter visões e ter ideais para o futuro. Repito: nós os
cristãos africanos temos boas razões para celebrarmos o Grande Jubileu
em acção de graças pelo que recebemos nos últimos dois mil anos,
especialmente no século XX. Mas o nosso principal cuidado deve ser fazer
uma avaliação crítica do passado e do presente e planear esta visão da
nossa futura Igreja. Enquanto recordamos com gratidão todos os homens e
mulheres que fizeram do cristianismo africano o que ele é, devemos
fixar-nos a preparar os futuros agentes pastorais, que terão o grande
dever de melhorar o que temos e realizar esta visão da Igreja que
queremos no século XXI.
A Igreja como família de Deus
Os
bispos presentes no Sínodo não se limitaram a falar da inculturação,
mas também a aplicaram concretamente, assumindo o conceito da Igreja
família de Deus como a ideia-chave para o futuro da evangelização da
África. O Papa confirmou-o plenamente: «A imagem acentua a atenção pelo
outro, a solidariedade, as calorosas relações de acolhimento, de diálogo
e de mútua confiança. A nova evangelização tenderá, portanto, a
edificar a Igreja como família.» (Igreja em África, 63).
As
razões que explicam a escolha dos bispos são muitas e podem ser
encontradas nas «propostas» finais que apresentaram ao Papa. Os bispos
enumeraram os desafios à África de hoje e à sua Igreja e também
sugeriram respostas.
-
Necessidade urgente de unidade e solidariedade entre os africanos,
qualquer que seja a sua identidade étnica, filiação religiosa e
pensamento ideológico – Unidade e solidariedade é o que a Igreja
africana deve sublinhar.
-
A construção das nações é um processo difícil em todo o continente – A
Igreja deve envolver-se completamente na sua construção.
-
A falta de cooperação entre os vários povos africanos é escandalosa,
ainda que a família africana os englobe a todos – A Igreja, como família
de Deus, deve esforçar-se por unir e não por dividir.
-
A religião tradicional africana é ainda forte em África – A Igreja
Católica deve tratá-la com grande respeito e estima e empenhar-se num
diálogo sereno com ela.
- O Islão é uma das maiores religiões africanas – A Igreja deve encontrar maneiras de com ele conviver pacífica e amigavelmente.
-
Muitas denominações protestantes estão presentes em África – O
catolicismo africano deve estabelecer com elas laços ecuménicos.
-
Muitos católicos não tomam parte activa na vida da sua Igreja. Mas, na
família africana, todos participam – Deve haver diálogo a todos os
níveis dentro da Igreja, entre bispos, conferências episcopais e a Sé
Apostólica e, também dentro de uma Igreja particular, entre bispos, o
presbitério, pessoas consagradas, agentes pastorais e leigos, de modo a
alimentar uma solidariedade pastoral orgânica e um verdadeiro espírito
de responsabilidade conjunta.
Eis,
portanto, a visão. A visão de uma Igreja «família de Deus», fundada no
diálogo, colaboração, comunicação, justiça e paz. A visão de uma Igreja
que tudo abraça e inclui, em que cada qual tem lugar, é bem recebido e
tem alguma coisa para dar. É, de facto, um sonho.
Que devemos não só acalentar mas fazer o possível para torná-lo uma
realidade. Será o maior contributo que a Igreja africana pode oferecer a
toda a Igreja.
Esperar contra todas as esperanças
A
África tem à sua frente um acesso difícil ao terceiro milénio. Parece
ser o continente perdedor, pouco interessante como parceiro económico.
Hoje, os olhares fixam-se de preferência no Leste europeu. Os preços das
matérias-primas africanas caem, enquanto o preço dos produtos
manufacturados na Europa aumenta.
Nesta
contingência, as igrejas em África têm como papel não apenas «salvar as
almas» mas também demarcar com clareza a dimensão terrena da salvação.
Não podem unicamente falar do amor de Deus mas também tornar possível a
sua experiência, fazendo tudo ao seu alcance para que todos os seres
humanos possam viver em dignidade, da mesma forma que Jesus fez.
Nas
cartas pastorais, os bispos e as conferências episcopais denunciam os
abusos dos políticos. Mas, para além disto, têm a oportunidade de, nas
longas e atraentes liturgias dominicais, exortarem os fiéis à
reconciliação concreta, à solidariedade fora do seu clã e das restritas
iniciativas de ajuda interpessoal.
Espera-se
que os africanos não percam, apesar das dificuldades, a sua inata
alegria de viver. Que possam resistir à escassez provisória, na
expectativa da plenitude de vida que Deus lhes prometeu, sem renunciar à
esperança. Porque a esperança não morre enquanto a própria pessoa for
esperança.
WALBERT BUHLMANN, Missionário capuchinho
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