quinta-feira, 10 de março de 2011

História da Igreja.



1. A Igreja na história

A Igreja continua a manter a presença de Cristo na história humana; obedece ao mandato apostólico pronunciado por Jesus antes de subir ao Céu: «Ide e ensinai todas as gentes, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo» (Mt 28,19-20). Na história da Igreja verifica-se, portanto, um entrecruzar entre o divino e o humano, por vezes, dificilmente diferenciável.

Com efeito, lançando um olhar à história da Igreja, há aspectos que surpreendem o observador, inclusive o não crente:

a)     a unidade no tempo e no espaço (catolicidade): a Igreja Católica, ao longo de dois milénios, permaneceu a mesma entidade, com a mesma doutrina e os mesmos elementos fundamentais: unidade de fé, de sacramentos, de hierarquia (pela sucessão apostólica); além disso, em todas as gerações reuniu homens e mulheres dos povos e culturas mais diversos e de zonas geográficas de todos os cantos da terra;

b)     a acção missionária: a Igreja aproveitou todos os acontecimentos e fenómenos históricos, em todo o tempo e lugar, para pregar o Evangelho, também nas situações mais adversas;

c)      a capacidade, em cada geração, de produzir frutos de santidade em pessoas de todos os povos e condições;

d)     um forte poder de recuperação perante crises, às vezes muito graves.


2. A Antiguidade Cristã (até 476, ano da queda do Império Romano do Ocidente)

A partir do séc. I, o cristianismo iniciou a sua expansão, sob a orientação de São Pedro e dos apóstolos e, depois, dos seus sucessores. Assiste-se, portanto, a um progressivo aumento dos seguidores de Cristo, sobretudo no interior do Império Romano; nos primeiros tempos do séc. IV constituíam, aproximadamente, 15% da população do Império, e estavam concentrados nas cidades e na parte oriental do império romano. A nova religião difundiu-se, de todos os modos, também para além dessas fronteiras: na Arménia, Arábia, Etiópia, Pérsia, Índia.

O poder político romano viu no cristianismo um perigo, pelo facto de reclamar um âmbito de liberdade na consciência das pessoas a respeito da autoridade estatal; os seguidores de Cristo tiveram que suportar numerosas perseguições, que conduziram muitos ao martírio; a última e a mais cruel, teve lugar no início do séc. IV devida aos imperadores Diocleciano e Galério.

No ano 313 o imperador Constantino I, favorável à nova religião, concedeu aos cristãos a liberdade de professarem a fé, e iniciou uma política muito benévola para com eles. Com o imperador Teodósio I (379-395) o cristianismo converteu-se na religião oficial do Império Romano. Entretanto, nos finais do séc. IV, os cristãos eram já a maioria da população do império romano.

No séc. IV, a Igreja teve que enfrentar uma forte crise interna: a questão ariana. Ário, presbítero de Alexandria, no Egipto, defendia teorias heterodoxas, pelas quais negava a divindade do Filho, que seria, assim, a primeira das criaturas, embora superior às outras. A divindade do Espírito Santo era também negada pelos arianos. A crise doutrinal, com que se encruzilharam frequentemente intervenções políticas dos imperadores, perturbou a Igreja durante mais de 60 anos; foi resolvida graças aos dois primeiros concílios ecuménicos, o primeiro de Niceia (325) e o primeiro de Constantinopla (381), em que se condenou o arianismo, se proclamou solenemente a divindade do Filho (consubstantialis Patri, em grego homoousios) e do Espírito Santo, e se compôs o Símbolo Niceno-Constantinopolitano (o Credo). O arianismo sobreviveu até ao séc. VII, porque os missionários arianos conseguiram converter à sua crença muitos povos germânicos, que só pouco a pouco passaram ao catolicismo.

No séc. V houve, pelo contrário, duas heresias cristológicas, que tiveram o efeito positivo de obrigar a Igreja a aprofundar no dogma, para o formular de modo mais preciso. A primeira heresia é o nestorianismo, doutrina que, na prática, afirma a existência em Cristo de duas pessoas, além de duas naturezas. Foi condenada pelo Concílio de Éfeso (431), que reafirmou a unicidade da pessoa de Cristo. Dos nestorianos derivam as Igrejas siro-orientais e malabares, ainda separadas de Roma. A outra heresia foi o monofisismo, que defendia, na prática, a existência em Cristo de uma só natureza, a divina; o Concílio de Calcedónia (451) condenou o monofisismo e afirmou que em Cristo há duas naturezas, a divina e a humana, unidas na pessoa do Verbo, sem confusão nem mutação (contra o nestorianismo), sem divisão nem separação (contra o monofisismo); são os quatro advérbios de Calcedónia: inconfuse, immutabiliter, indivise, inseparabiliter. Dos monofisitas derivam as Igrejas coptas, siro-ocidentais, arménias e da Etiópia, separadas da Igreja Católica.

Nos primeiros séculos da história do cristianismo assiste-se a um grande florescimento da literatura cristã, homilética, teológica e espiritual: são as obras dos Padres da Igreja, de grande importância na reconstrução da Tradição; os mais relevantes foram Santo Ireneu de Leão, Santo Hilário de Poitiers, Santo Ambrósio de Milão, São Jerónimo e Santo Agostinho, no Ocidente; Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório Nacianceno, São Gregório de Nissa, São João Crisóstomo, São Cirilo de Alexandria e São Cirilo de Jerusalém, no Oriente.


3. A Idade Média (até 1492, ano da chegada de Cristóvão Colombo à América)

Em 476 caiu o Império Romano do Ocidente, que foi invadido por uma série de povos germânicos, alguns deles arianos, outros pagãos. O trabalho da Igreja nos séculos seguintes foi o de evangelizar e contribuir para civilizar estes povos, e mais adiante os povos eslavos, escandinavos e magiares. A alta Idade Média (até ao ano 1000) foi, sem dúvida, um período difícil para o continente europeu, pela situação de violência política e social, empobrecimento cultural e regressão económica, devidos às contínuas invasões (que duraram até ao séc. X). A Igreja com a sua acção conseguiu, pouco a pouco, conduzir estes jovens povos para uma nova civilização, que alcançará o seu esplendor nos séculos XII-XIV.

No séc. VI nasceu o monaquismo beneditino, que garantiu o aparecimento de ilhas de paz, tranquilidade, cultura e prosperidade, à volta dos mosteiros. No séc. VII foi de grande importância a acção missionária, em todo o continente, dos monges irlandeses e escoceses; no séc. VIII a dos beneditinos ingleses. Neste último século terminou a etapa da Patrística, com os últimos dois Padres da Igreja, São João Damasceno, no oriente, São Beda o Venerável, no ocidente.

Nos séculos VII-VIII, nasceu a religião islâmica na Arábia; após a morte de Maomé os árabes lançaram-se numa série de guerras de conquista que os conduziram à constituição de um vastíssimo império; entre outros, subjugaram os povos cristãos da África do Norte e da Península Ibérica e separaram o mundo bizantino do latino-germânico. Um período, de aproximadamente 300 anos, que constituiu um flagelo para os povos da Europa mediterrânica, por causa das incursões, emboscadas, saques e deportações realizados de modo, praticamente, sistemático e contínuo.

Nos finais do séc. VIII, institucionalizou-se o poder temporal do papado (Estados Pontifícios), que já existia de facto desde finais do séc. VI; tinha surgido para suprir o vazio de poder criado na Itália central pelo desinteresse do poder imperial bizantino, nominalmente soberano na região, mas incapaz de prover à administração e defesa da população. Com o tempo, os Papas verificaram que um limitado poder temporal era uma eficaz garantia de independência em relação aos diversos poderes políticos (imperadores, reis, senhores feudais).

Na noite de Natal do ano 800 restaurou-se o império no Ocidente (Sacro-Império Romano): o Papa coroou Carlos Magno na basílica de São Pedro; nasceu, assim, um estado católico com aspirações universais, caracterizado por uma forte sacralização do poder político, e um complexo entrecruzar de política com religião, que durará até 1806.

No séc. X o papado sofreu uma grave crise por causa das interferências das famílias nobres da Itália central na eleição do Papa (Século de Ferro); e mais em geral, devido aos reis e senhores feudais se terem assenhoreado da nomeação de muitos cargos eclesiásticos. A reacção papal a tão pouco edificante situação ocorreu no séc. XI, através da reforma gregoriana e a chamada “questão das investiduras”, em que a hierarquia eclesiástica conseguiu recuperar amplos espaços de liberdade em relação ao poder político.

No ano 1054, o patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, fez a separação definitiva dos gregos da Igreja Católica (Cisma do Oriente); foi o último episódio de uma história de fracturas e disputas iniciada já no séc. V, e devida, em boa medida, às graves interferências dos imperadores romanos do oriente na vida da Igreja (césaro-papismo). Este cisma afectou todos os povos dependentes do patriarcado, e afecta ainda agora búlgaros, romenos, ucranianos, russos e sérvios.

No início do séc. XI, as repúblicas marítimas italianas tinham arrebatado o controlo do Mediterrâneo aos muçulmanos, pondo um limite às agressões islâmicas; no final do século, o crescimento do poder militar dos países cristãos teve como expressão o fenómeno das cruzadas à Terra Santa (1096-1291), expedições bélicas de carácter religioso cujo fim era a conquista ou defesa de Jerusalém.

Nos séculos XIII e XIV assiste-se ao apogeu da civilização medieval, com grandes realizações teológicas e filosóficas (a Alta Escolástica: Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino, São Boaventura, o Beato Duns Scoto), literárias e artísticas. No que se refere à vida religiosa é de grande importância a aparição, no início do séc. XIII, das ordens mendicantes (franciscanos, dominicanos, etc.).

O afrontamento entre o papado e o império, já iniciado com a “questão das investiduras”, continuou com diversos episódios nos séculos XII e XIII, terminando com o enfraquecimento das duas instituições; o império reduziu-se na prática a um estado alemão, e o papado sofreu uma notável crise; de 1305 até 1377 o local de residência do Papa transferiu-se de Roma para Avinhão, no sul de França, e pouco depois do regresso a Roma, em 1378 iniciou-se o Grande Cisma do Ocidente; uma situação muito difícil, em que se verificou, no início o aparecimento de dois papas e, depois, três (as obediências a Roma, a Avinhão e a Pisa), enquanto o mundo católico da época permanecia perplexo sem saber quem era o pontífice legítimo. A Igreja pôde superar também esta duríssima prova e a unidade foi restabelecida com o Concílio de Constança (1415-1418).

Em 1453 os turcos otomanos, muçulmanos, conquistaram Constantinopla, pondo, assim, termo à milenária história do Império Romano do Oriente (395-1453), e conquistaram os Balcãs, que permaneceram quatro séculos sob o seu domínio.


4. A Idade Moderna (até 1789, ano do início da Revolução Francesa)

A Idade Moderna inicia-se com a descoberta da América, evento que, juntamente com as explorações em África e na Ásia, originou a colonização europeia de outras partes do mundo. A Igreja aproveitou este fenómeno histórico para difundir o Evangelho nos continentes fora da Europa; assiste-se ao aparecimento de missões no Canadá e Louisiana, colónias francesas, na América espanhola, no Brasil português, no reino do Congo, na Índia, Indochina, China, Japão, Filipinas. Para coordenar estes esforços na propagação da fé, a Santa Sé instituiu em 1622 a Sacra Congregatio de Propaganda Fide.

Entretanto, ao mesmo tempo que o catolicismo se expandia para áreas geográficas onde o Evangelho nunca tinha sido pregado, a Igreja sofria uma grave crise no velho continente: a “Reforma” religiosa propugnada por Martinho Lutero, Ulrico Zwinglio, João Calvino (fundadores das diferentes denominações do protestantismo), juntamente com o cisma provocado pelo rei de Inglaterra, Henrique VIII (anglicanismo), conduziu à separação da Igreja de amplas regiões, Escandinávia, Estónia e Letónia, boa parte da Alemanha, Holanda, metade da Suiça, Escócia, Inglaterra, para além dos respectivos territórios coloniais já na sua posse ou conquistados posteriormente (Canadá, América do Norte, Antilhas, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia). A Reforma Protestante tem a grave responsabilidade de ter quebrado a milenária unidade religiosa no mundo cristão-ocidental, provocando o fenómeno do confessionalização, ou seja, a separação social, política e cultural da Europa e de algumas das suas regiões em dois campos: o católico e o protestante. Este sistema cristalizou na fórmula cuius regio, eius et religio, pelo qual os súbditos estavam obrigados a seguir a religião do príncipe. O afrontamento, entre os dois campos, conduziu ao fenómeno das guerras de religião, que afectou sobretudo a França, os territórios germânicos, Inglaterra, Escócia e Irlanda, e que se pode considerar terminado apenas com a Paz de Westfalia (1648) no continente, e com a capitulação de Limerick (1692) nas Ilhas Britânicas.

A Igreja Católica, embora assolada pela crise e pela defecção de tantos povos em poucos decénios, soube encontrar energias insuspeitas para reagir e começar a realizar uma verdadeira reforma; este processo histórico tomou o nome de Contra Reforma, cujo clímax é a celebração do Concílio de Trento (1545-1563), no qual se proclamaram, com clareza, algumas verdades dogmáticas postas em dúvida pelos protestantes (cânon das Escrituras, sacramentos, justificação, pecado original, etc.), e se tomaram também decisões disciplinares que robusteceram e tornaram mais compacta a Igreja (por exemplo, a instituição dos seminários e a obrigação de residência dos bispos nas respectivas dioceses). O movimento da Contra Reforma Católica pôde também valer-se da actividade de muitas ordens religiosas fundadas no séc. XVI; trata-se de iniciativas de reforma no âmbito das ordens mendicantes (capuchinhos, carmelitas descalços), ou institutos de clérigos regulares (jesuítas, teatinos, barnabitas, etc.). Assim, a Igreja saiu da crise profundamente renovada e reforçada, e pôde compensar a perda de algumas regiões europeias com uma difusão verdadeiramente universal, graças à obra missionária.

No séc. XVIII a Igreja teve que combater dois inimigos, o Regalismo e a Ilustração. O primeiro coincidiu com o desenvolvimento da monarquia absoluta; apoiados na organização de uma moderna burocracia, os soberanos dos estados europeus conseguiram instaurar um sistema de poder autocrático e total, eliminando as barreiras que se interpunham (instituições de origem medieval como o sistema feudal, os privilégios eclesiásticos, os direitos das cidades, etc.). Neste processo de centralização do poder, os monarcas católicos tenderam a invadir o âmbito de jurisdição eclesiástica, na tentativa de criar uma Igreja submetida e dócil em relação ao poder do rei; é um fenómeno que assume nomes diversos, dependendo dos estados, regalismo em Portugal e Espanha, galicanismo em França, josefismo nos territórios dos Habsburgo (Áustria, Boémia, Eslováquia, Hungria, Eslovénia, Croácia, Lombardia, Toscana, Bélgica), jurisdiccionalismo em Nápoles e Parma. Este fenómeno teve o seu ponto mais acalorado na expulsão dos jesuítas por parte de muitos governos e na ameaçadora pressão sobre o papado para que suprimisse a ordem (como sucedeu em 1773).

O outro inimigo com que se enfrentou a Igreja no séc. XVIII foi o Iluminismo, um movimento, em primeiro lugar filosófico, que teve grande êxito entre as classes dirigentes; tem como pano de fundo uma corrente cultural que exalta a razão e a natureza e, ao mesmo tempo, faz uma crítica indiscriminada à tradição; é um fenómeno muito complexo, que apresenta, em todo o caso, fortes tendências materialistas, uma ingénua exaltação das ciências, a recusa da religião revelada em nome do deísmo ou da incredulidade, um irreal optimismo a respeito da bondade natural do homem, um excessivo antropocentrismo, uma confiança utópica no progresso da humanidade, uma difundida hostilidade contra a Igreja Católica, uma atitude de suficiência e desprezo pelo passado, e uma arreigada tendência para realizar reducionismos simplistas na busca de modelos explicativos da realidade. Trata-se, em resumo e em boa medida, da origem de muitas das ideologias modernas, que reduzem a visão da realidade eliminando da sua compreensão a revelação sobrenatural, a espiritualidade do homem e, finalmente, o anelo pela procura das verdades últimas da pessoa e de Deus.

No século XVIII foram fundadas as primeiras lojas maçónicas; uma boa parte delas assumiu tonalidades e actividades claramente anticatólicas.


5. A Idade Contemporânea (a partir de 1789)

A Revolução Francesa, que começou com o decisivo contributo do baixo clero, derivou rapidamente para atitudes de galicanismo extremo, chegando a produzir o cisma da Igreja Constitucional, e assumindo a seguir, tonalidades claramente anticristãs (instauração do culto ao Ente Supremo, abolição do calendário cristão, etc.), até chegar a uma cruenta perseguição da Igreja (1791-1801): o papa Pio VI morreu em 1799 prisioneiro dos revolucionários franceses. A subida ao poder de Napoleão Bonaparte, homem pragmático, trouxe a paz religiosa com a Concordata de 1801; mais adiante, no entanto, surgiram desavenças com Pio VII pelas intromissões contínuas do governo francês na vida da Igreja; como resultado disso, o Papa foi feito prisioneiro por Bonaparte, aproximadamente, durante cinco anos.

Com a restauração das monarquias pré-revolucionárias (1815), regressou para a Igreja um período de paz e tranquilidade, favorecido também pelo romanticismo, corrente de pensamento predominante na primeira metade do séc. XIX. No entanto, depressa se delineou uma nova ideologia profundamente oposta ao catolicismo: o liberalismo, herdeiro dos ideais da Revolução Francesa que, pouco a pouco, conseguiu afirmar-se politicamente, promovendo a instauração de legislações discriminatórias ou persecutórias contra a Igreja. O liberalismo uniu-se em muitos países ao nacionalismo e, mais tarde, na segunda metade do século, aliou-se ao imperialismo e ao positivismo, que contribuíram ulteriormente para a descristianização da sociedade. Simultaneamente, como reacção às injustiças sociais provocadas pelas legislações liberais, nasciam e difundiam-se várias ideologias com o objectivo de se fazerem porta-vozes das aspirações das classes oprimidas pelo novo sistema económico: o socialismo utópico, o socialismo “científico”, o comunismo, o anarquismo, todas elas unidas por projectos de revolução social e uma filosofia subjacente de tipo materialista.

O catolicismo no séc. XIX perdeu, em quase todas as nações, a protecção do Estado que, pelo contrário, passou a ter uma atitude adversa; e em 1870 terminou o poder temporal dos papas, com a conquista italiana dos Estados Pontifícios e a unificação da península. No entanto, ao mesmo tempo, a Igreja soube retirar vantagens desta crise para fortalecer a união de todos os católicos à volta da Santa Sé, e para se libertar das intromissões dos estados no governo interno da Igreja, actuação diferente da que sucedeu no período das monarquias confessionais da Idade Moderna. O clímax deste fenómeno foi a solene declaração, em 1870, do dogma da infalibilidade do Papa pelo Concílio Vaticano I, celebrado durante o pontificado de Pio IX (1846-1878). Além disso, neste século a vida da Igreja caracterizou-se por uma grande expansão missionária (em África, Ásia e Oceânia), por um grande florescimento de fundações de congregações religiosas femininas de vida activa e pela organização de um vasto apostolado laical.

No séc. XX, a Igreja enfrentou numerosos desafios, Pio X teve que reprimir as tendências teológicas modernistas dentro do próprio corpo eclesiástico. Estas correntes caracterizavam-se, nas suas manifestações mais radicais, por um imanentismo religioso que, embora mantivesse as formulações tradicionais da fé, na realidade as esvaziava de conteúdo. Bento XV enfrentou a tempestade da Primeira Guerra Mundial, conseguindo manter uma política de imparcialidade entre os contendores e desenvolvendo uma actividade humanitária a favor dos prisioneiros de guerra e da população afectada pela catástrofe bélica. Pio XI opôs-se aos totalitarismos de diverso tipo, que perseguiram, de um modo mais ou menos aberto, a Igreja durante o seu pontificado, o comunista na União Soviética e em Espanha, o nacional-socialista na Alemanha, o fascista em Itália, o de inspiração maçónica no México; além disso, este Papa desenvolveu uma grande promoção do clero e do episcopado local nas terras de missão africanas e asiáticas que, continuada depois pelo seu sucessor, Pio XII, permitiu à Igreja apresentar-se diante do fenómeno da descolonização como elemento autóctone e não estrangeiro.

Pio XII teve que enfrentar a terrível prova da Segunda Guerra Mundial, durante a qual actuou de diversos modos para salvar da perseguição nacional-socialista o maior número possível de judeus (calcula-se que a Igreja Católica tenha salvo, aproximadamente 800.000); com um procedimento realista, não considerou oportuno fazer uma denúncia pública, visto que esta teria piorado a grave situação dos católicos também perseguidos em vários dos territórios ocupados pelos alemães, e teria anulado a sua possibilidade de intervir em favor dos judeus. Muitas altas personalidades do mundo israelita reconheceram publicamente, depois da guerra, os grandes méritos deste Papa em relação ao seu povo.

João XXIII convocou o Concílio Vaticano II (1962-1965), que foi concluído por Paulo VI, e que abriu uma época pastoral diversa na Igreja, salientando o chamamento universal à santidade, a importância do esforço ecuménico, os aspectos positivos da modernidade, a ampliação do diálogo com outras religiões e com a cultura. Nos anos a seguir ao Concílio, a Igreja sofreu uma profunda crise interna de carácter doutrinal e disciplinar, que conseguiu superar, em boa medida, durante o longo pontificado de João Paulo II (1978-2005), papa de extraordinária personalidade, que fez com que a Santa Sé tivesse níveis de popularidade e prestígio nunca antes conhecidos, dentro e fora da Igreja Católica.


Carlo Pioppi

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