domingo, 27 de fevereiro de 2011

Revoltas no Egito e vizinhos: primavera do mundo árabe (2)

ZP11022703 - 27-02-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-27362?l=portuguese
Entrevistado o perito em diálogo com o islã, Samir Khalil Samir

ROMA, domingo, 27 de fevereiro de 2011 (ZENIT.org) - Para o padre Samir Khalil Samir, jesuíta egípcio, professor de teologia e de islamologia no Pontifício Instituto Oriental e um dos maiores peritos do mundo em diálogo entre cristãos e muçulmanos, o atual movimento é uma "primavera" no mundo árabe, um novo passo rumo à democratização. Veja a segunda parte de sua entrevista a ZENIT.
ZENIT: É possível separação religião e Estado nesses países ou ainda é preciso mais tempo para formar as consciências?
Pe. Samir Khalil Samir: É preciso mais um pouco de tempo, mas a situação está progredindo. Eu andei lendo um artigo de uma mulher saudita, que se baseava num fato histórico: Aisha, a jovem esposa de Maomé, numa das guerras famosas, estava montando um camelo, que ela mesma conduzia, sozinha, para apoiar os homens da tribo na guerra. E a jornalista saudita escreveu: "A jovem Aisha conduzia o camelo sozinha e não precisava de homens; e nós, as mulheres de hoje, depois de 14 séculos, não podemos dirigir o carro. Onde é que nós estamos?!".
Alguns imãs retrucaram: "Essa aí está querendo reinterpretar toda a religião!". E criticaram. Já outros responderam: "Mas afinal ela está errada no quê? Se os senhores não concordam com ela, então expliquem por quê!". E graças à internet, a esses debates contínuos que estão abertos a todos, uma estrada está se abrindo no mundo muçulmano. As pessoas estão se perguntando: "Por que é que nós temos que aceitar isso? O fundamento de tudo é a paridade, Deus criou todos iguais. Por que não podemos progredir nessa ideia?".
A internet está modificando as mentalidades, aproximando as pessoas umas das outras. A verdadeira globalização não é através da economia, é através da internet. É nela que os jovens da América e do Iêmen se aproximam uns dos outros, e conseguem mostrar opiniões não idênticas, mas parecidas.
ZENIT: Um dos desafios, junto com o problema das minorias, é justamente o papel da mulher nos países islâmicos. Quais são as perspectivas a respeito disso?
Pe. Samir Khalil Samir: Existem duas correntes que lutam. Uma de mulheres, apoiadas por homens, que dizem que não são superiores nem inferiores aos homens, mas iguais, e não aceitam que a mulher não possa fazer isso ou não possa fazer aquilo, porque nós vemos mulheres em todos os setores da vida em outros países, e as pessoas aqui se perguntam: "Por que não entre nós?". Esta corrente é cada vez mais forte.
E temos, contra ela, uma corrente que é mais bem religiosa, que diz que Deus estabeleceu entre o homem e a mulher uma diferença de qualidade, porque o alcorão afirma que os homens são um grau superiores às mulheres (wa-fîmâ baynahumâ daragah), porque Deus preferiu os homens às mulheres. E as mulheres respondem que sim, mas a preferência referida nesse versículo do alcorão é motivada pelo fato de que é o homem quem sustenta a família. Só que isso, hoje em dia, não é mais verdade, porque existem mulheres que sustentam suas famílias. Não é um fato da natureza do homem ou da mulher, mas é um fato sócio-cultural.
E é nessa linha que as coisas estão mudando, apesar de lentamente, em alguns países. Já vimos a Benazir Bhutto no Paquistão, que era chefe de Estado, e em outros países muitas ministras que são mulheres notáveis, ou prêmios Nobel, como no Irã... Há uma consciência maior de que, se dermos liberdade para as mulheres agirem, elas podem até ser superiores aos homens. Mas não é fácil, é uma luta que vai durar ainda algumas décadas.
ZENIT: Quais são as perspectivas desta espécie de "1968 islâmico"? Especialmente para os cristãos, considerando, por exemplo, que o patriarca Antonios Naguib está chamando os católicos a se envolverem na vida pública.
Pe. Samir Khalil Samir: Como eu falei antes, esta é uma primavera no mundo árabe. Seria um absurdo se os cristãos ficassem de fora, porque, sem falsa apologia, nós já temos todos esses princípios, na letra e no espírito do Evangelho: o da abertura ao próximo, da busca da justiça e da paz, e talvez o muçulmano possa dizer o mesmo.
O certo é que essa corrente propõe uma sociedade que corresponde mais aos critérios evangélicos do que as sociedades precedentes. E então, bem-vindos, cristãos! Se os cristãos, que têm um apoio tão forte da própria fé, andarem junto com os muçulmanos e não fizerem um movimento à parte, se lutarem por mais justiça, por mais democracia, por mais liberdade, por mais igualdade entre todos, uma igualdade que não faça distinções entre os sexos, a raça ou a religião, se não colocarem o crente por cima do não crente, ou o muçulmano por cima do cristão, então serão bem-vindos!
Este é o princípio, e dado que a paz é o fundamento da sociedade civil e que a paz não existe sem a justiça, e que a justiça pressupõe saber perdoar... São todos princípios que nós ouvimos todos os dias na igreja, e que foram repetidos também pelos sumos pontífices, todos esses princípios são válidos para os muçulmanos. E eu acho que esta é a oportunidade para a nova geração, cristãos, muçulmanos, ateus, não interessa, é a oportunidade para dizermos: nós lutamos pelos direitos da pessoa humana, e queremos propor, todos juntos, um projeto de sociedade nova! É neste sentido, eu acredito, que esta revolução está caminhando, esta primavera do mundo árabe.
ZENIT: Concluindo, o senhor vê então muito positivamente o conjunto das coisas que estão acontecendo.
Pe. Samir Khalil Samir: Eu sou muito otimista, otimista com realismo, porque ainda existem interrogações. Até não haver um governo claro, que se saiba que linha vai adotar, enquanto não houver uma organização identificável, não podemos ter certeza. Precisamos de estruturas. Por enquanto, ainda estamos na fase da explosão, do descobrimento. Mas eu espero que passemos rapidamente para uma sociedade baseada nesses princípios que enunciamos.

0 comentários:

Postar um comentário