domingo, 27 de fevereiro de 2011

Jacques Heers e o império islâmico na Idade Média

A CIVILIZAÇÃO DAS FEITORIAS COMERCIAISEsses estabelecimentos muçulmanos contavam inicialmente somente cabanas cobertas de ramagens. Mais tarde, enriquecem-se de fortalezas e casas de terra batida, grandes palacios cercados de jardins. O mihrab da mesquita de Kizimkazi, na ilha de Zanzíbar, que data de 1207, é o único vestígio arqueológico importante conservado dos primeiros tempos da ocupação muçulmantí. Ibn Battuta fornece todavia, em 1332, urna descrição entusiástica dos monumentos de Kilwa, onde os persas haviam introduzido o gosto pelo luxo, pelas sedas suntuosas.
Os Estados muçulmanos do mar, Estados piratas e mercantis, fortes em arsenais alimentados pelas madeiras do interior, tais como Mogadisque, Kilwa, Melinde, Mombosa, Pemba e Zanzíbar, devem sua fortuna principalmente ao tráfico longínquo para a Arábia, o Iraque e, mais ainda, para a Índia. Encontram-se, igualmente, nessas feitorias muçulmanos da África, moedas chinesas que datam do século VIII. Muito mais tarde, no inicio do século XV, expedições marítimas chinesas atingem, varias vezes, no tempo da dinastia Ming, essas costas da África oriental, comandadas alias por um muculmano do Junan, familiar da corte imperial e grande mestre da frota. Tais empreendimentos permanecen! porém sem conseqüências.
Do interior africano, os mercadores árabes obtinham inestimáveis recursos. Abasteciam os bantos de cereais, de carnes e de peixes secos; sua língua comercial, o swaheli, era então falada até no coração do continente, até no longínquo Congo. Eles traziam produtos da caca ou da pesca, o açucar de cana, então de excelente qualidade, o ferro das minas das montanhas de Sofala e dos planaltos de Melinde, as madeiras, as fibras têxteis para tecer velas ou cordames, os óleos de coco ou de palmeira, o ámbar cinzento, o marfim; mas principalmente o ouro e os escravos. As mais ricas minas de ouro situavam-se no reino banto da regiao atual de Vitoria, na Rodésia, não muito longe da célebre cidade de Zimbawe., Lá se tinham instalado, por volta do século XI, os povos negros bantos, provenientes do Oeste; eles trazem consigo urna nova cultura, chamada dos construtores, que expulsa a antiga, dita dos mineiros, dos indígenas de raça branca. Foi mais tarde o Monomatapa dos portugueses. Essas minas de ouro conheceram então urna atividade considerável: as escavações são ainda encontradas ao longo de mais de 600 quilômetros; a profundidade de alguns poços ultrapassava 30 m (W. G. L. Randles).
Quanto ao maléfico tráfico dos escravos, marcou ele profundamente, durante mais de mil anos, toda a vida dos países negros da África oriental. Antes mesmo do estabelecimento desses entrepostos comerciais, os árabes do golfo Pérsico — os da ilha de Keich no mar de Orna — faziam incursões desvastadoras ñas longínquas costas da regido dos Zendjs a fim de aprisionar jovens e enancas. A expansáo mugulmana provoca um considerovel aumento do tráfico desses escravos negros em direcáo a todas as provincias do Imperio,, do Cairo ao Irá. Este tráfico é constantemente alimentado por terríveis expedigoes dos mouros escravistas que, bem aprofundados no interior, até a regiáo dos Grandes Lagos, surpreendem as aldeias negras, massacram os defensores e levam os cativos acorrentados, em longos comboios, para as cidades da costa. Ai, os mercadores árabes em-barcavam homens e mulheres em seus navios, amontoando-os sobre dois ou tres assoalhos superpostos, mantendo-os de tal maneira apertados que só lhes era permitido conservarem-se deitados. Tais navios só atingiam o golfo Pérsico depois de cinco ou seis semanas de urna navegagáo me-donha; muitos dos cativos morriam de fome ou de epidemias. Mas este tráfico deixava aos árabes lucros consideráveis. Por causa disso despovoou essas provincias da África, tanto mais que algumas tribos guerreavom entre si para venderem os prisioneiros aos comerciantes.
Em recompensa, a ação civilizadora dessas feitorias muçulmanas no rumo do interior parece quase nula. (JACQUES HEERS, História Medieval)

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