terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Evolucionismo: O estado atual da questão


Por Antonio Pardo
O darwinismo apresenta-se como a única explicação válida para o fenômeno evolutivo. Com efeito, há pessoas que pensam que negar o darwinismo é negar a própria idéia de evolução. Mas as coisas não são bem assim. A teoria de Darwin (e as suas várias interpretações) não consegue interpretar satisfatoriamente os dados disponíveis sobre a Evolução. Por que então continua a ser tão defendida?
 
INTRODUÇÃO
É muito difícil dar uma visão de conjunto razoavelmente completa sobre a teoria da evolução, tendo em conta a complexidade das discussões sobre o assunto que hoje se encontram no mercado das idéias. Por isso, procurarei nesta exposição fazer apenas um elenco das idéias mais relevantes que servem de base para as teses evolucionistas atuais. Ao longo da explanação, tecerei algumas observações críticas quando forem necessárias e, no fim, apresentarei alguns dados que permitam vislumbrar possíveis encaminhamentos para uma explicação atualizada do fenômeno evolutivo.
1. IDÉIAS BÁSICAS
1.1. O que se entende por evolução?
Em primeiro lugar, é necessário um esclarecimento terminológico: muitos livros ou artigos sobre a evolução empregam os termos comuns nesse campo com significados diferentes; por isso devemos esclarecer qual o significado que daremos aqui a esses termos, a fim de evitar confusões.
Entendemos por evolução, de um modo genérico, a variação das espécies dos seres vivos.
Mais especificamente, podemos distinguir dois tipos de evolução: a macroevolução e a microevolução.
Por macroevolução, entende-se a aparição de novas espécies por geração a partir de outras distintas.
Por microevolução, entende-se a aparição de variações morfológicas dentro de uma mesma espécie, isto é: a aparição daquilo que podemos chamar de raças, de subespécies ou de variedades, que no entanto continuam a ser inequivocamente da mesma espécie.
 
Fóssil de mastodonte encontrado em 2000 no estado americano de Nova York
1.2. Houve evolução
Em segundo lugar, é preciso ressaltar que deve ser admitida a evolução das espécies (no sentido de macroevolução, que é o que habitualmente empregaremos nestas linhas), mesmo que não seja uma realidade observável diretamente: exige-o o cúmulo de averiguações feitas em múltiplas disciplinas, por uma necessidade de coerência lógica. Trata-se da única dedução possível diante da evidência de que existem fósseis de seres vivos hoje desaparecidos, bem como seres vivos dos quais não se encontram fósseis. Uma vez demonstrada definitivamente a impossibilidade da geração espontânea nas atuais circunstâncias do mundo, a única dedução válida é que em tempos pretéritos alguns seres de uma espécie geraram seres de outra espécie. É a isso que chamaremos de evolução.
Além da dedução a partir da evidência dos fósseis, existem
muitas outras evidências que apontam na mesma direção: todos os seres vivos têm uma constituição basicamente igual, são compostos deproteínas, açúcares, informação genética, membranas, sistemas respiratórios, etc. Todas essas coincidências, que são muitíssimas, sugerem uma origem comum e apóiam a idéia da evolução, ou seja, o aparecimento de novas espécies por geração.
1.3. Evolução não é igual a darwinismo
Outra fonte de confusões procede de se reduzir o processo evolutivo a uma das explicações que se dão acerca dele; concretamente, nesta época de predomínio quase absoluto da explicação darwinista, é comum confundir evolução com darwinismo. Uma coisa, porém, é que seres de uma espécie tenham no passado produzido seres de outra espécie; e outra bem diferente as várias explicações que se podem dar para esse fenômeno. O problema atual é a ausência quase absoluta de explicações alternativas à darwinista, e por isso as pessoas tendem a confundir o fenômeno evolutivo com essa sua explicação, que é quase a única oferecida no mercado das idéias.
 
O naturalista inglês Charles Robert Darwin (1809-1882) e uma caricatura sua publicada na revista inglesa The Hornet (“A vespa”), contemporânea ao cientista
 
Uma coisa, no entanto, é evidente: um fenômeno que se quer explicar é diferente da explicação científica que se constrói para explicá-lo. Outra questão é saber se essa explicação científica está ou não suficientemente comprovada; mas, independentemente de estar ou não comprovada, explicação e fenômeno explicado serão sempre coisas diferentes.
Por este motivo, é preciso manter uma clara separação conceitual entre os termos “evolução” e “darwinismo”. Conseqüentemente, aceitar o fenômeno evolutivo não implicará aceitar a explicação darwinista; nem criticar a explicação implicará negar o fenômeno evolutivo.

2. BREVE EXPOSIÇÃO DO DARWINISMO
A predominância da explicação darwinista para o fenômeno da evolução é tão grande que torna obrigatório fazermos um breve resumo das suas idéias básicas. O tema não é tão simples como parece, pois a obra de Darwin foi publicada há mais de século e meio; a ela já se fizeram numerosos acréscimos e várias das suas teses originais foram abandonadas. Mesmo assim, continuaremos a empregar o termo “darwinismo”, tanto para a obra de Darwin como para as suas derivações posteriores que mantiveram as mesmas idéias básicas. Estas últimas receberam diversos nomes, que omitiremos em favor da clareza da exposição.
O núcleo da idéia de Darwin, apresentada num artigo em co-autoria com Wallace, mas popularizada depois na sua obra A origem das espécies (1859), consiste basicamente na união de três noções: variação, seleção e acumulação.
Folha de rosto da primeira edição de A origem das espécies.
 
2.1. Variações espontâneas
A variação, mais do que uma idéia explicativa, é uma constatação elementar que resulta da observação da Natureza. Numa população de animais da mesma espécie, não existem dois idênticos: há sempre pequenas variações entre os diversos exemplares. Trata-se de um assunto que os pecuaristas e os que trabalham com animais conhecem bem, pois a familiaridade torna-os capazes de distinguir pequenas diferenças que passam desapercebidas aos olhos de um leigo. As pequenas diferenças morfológicas ou funcionais são o ponto de apoio para toda a tese de Darwin.
2.2. Seleção natural
A seleção é uma idéia que Darwin tomou de Malthus e aplicou à Natureza. Com a sua obra Ensaio sobre a população (1798), Malthus popularizou entre as classes cultas da Inglaterra a idéia de que o ritmo de crescimento da população segue uma progressão geométrica, ao passo que o da produção de alimentos segue uma progressão
Folha de rosto da primeira edição de A origem das espécies.
aritmética. A conseqüência automática seria a fome no futuro. Com outras palavras: a vida do homem é uma dura luta pela sobrevivência, simplesmente por causa da escassez de alimentos. É uma tese que reflete visivelmente a competição comercial da Inglaterra nos começos da Revolução Industrial.
Darwin transfere essa consideração da Sociedade para Natureza; para ele, a sobrevivência dos seres vivos é uma tarefa difícil, pois estes se encontram ameaçados por múltiplos perigos e problemas: escassez de alimentos, inclemências do tempo, ameaças dos predadores, etc. A vida é uma dura luta pela sobrevivência. Nessa luta, somente os que estão mais bem dotados são capazes de sobreviver e gerar descendentes. A Natureza, devido ao seu caráter duro e implacável, vai filtrando as variações espontâneas até que, por eliminação das formas menos aptas para sobreviver, os seres de uma espécie ganhem novas formas.
2.3. Acumulação de variações
Por último, Darwin aceita que todo o processo evolutivo se deu por acumulação progressiva de pequenas variações espontâneas que vão sendo filtradas pela dureza da seleção natural. Em alguns momentos, ele se pergunta abertamente como podem todas as formas vivas ter surgido mediante um processo tão elementar, mas diz que, apesar das suas dúvidas, reafirma a sua tese, pensando no tempo enorme que esse processo pôde empregar para ir produzindo as diferentes formas.
2.4. Outras idéias
A obra original de Darwin contém muitas outras idéias e sugestões: não reluta em aceitar questões como a herança de caracteres adquiridos (tese que na época tinha boa aceitação entre os biólogos), ou até mesmo teses ortogenéticas, isto é, teses que postulam que os seres vivos têm uma tendência interna à variação.
Mas não nos devemos iludir com esse ecletismo: Darwin afirma explicitamente que negar o fenômeno da seleção natural derrubaria toda a sua teoria. Isso significa que os outros fenômenos que ele menciona só têm um papel marginal na sua explicação da evolução. O básico são as variações, unidas à seleção natural e à acumulação progressiva das variações.
 
2.5. O neodarwinismo
O botanista holandês Hugo de Vries (1848-1935) que aplicou a teoria das mutações genéticas à teoria evolucionista.
Falar de neodarwinismo em bloco é uma simplificação excessiva. Mas de qualquer forma é possível resumir a sua principal contribuição: acrescentar a teoria genética às idéias de Darwin (mediante a teoria sintética de Hugo de Vries). Enquanto Darwin, ao falar das variações, se referia somente às constatações da observação, o neodarwinismo afirma ter descoberto a causa de tais variações: as alterações aleatórias da informação genética. A aparição da teoria genética no começo do século XX foi decisiva para a formulação dessa tese: embora seja evidente que os caracteres dos seres vivos são transmitidos às sucessivas gerações, a teoria genética atribui pela primeira vez essa transmissão a um componente material dentro da célula. Inicialmente, esse componente foi chamado de plasma germinal, e posteriormente recebeu o nome de gene; mas a sua estrutura e o seu modo de guardar a informação só foram descobertos muito tempo depois.
O botanista holandês Hugo de Vries (1848-1935) que aplicou a teoria das mutações genéticas à teoria evolucionista

Em suas primeiras versões, afirmava-se que toda e qualquer característica de um ser vivo corresponde a um gene que determina de modo unívoco a existência de tal característica. A teoria sintética simplesmente limitava-se a aplicar a teoria genética às variações observadas: variações morfológicas ou de qualquer outro tipo devem-se às variações dos genes. Quando as teses da genética foram definidas mais claramente, essas variações casuais passaram a ser chamadas de mutações aleatórias: é o que hoje se ensina já nas primeiras lições de Biologia.
 
3. ALGUNS AJUSTES CONCEITUAIS
Embora aparentemente explique a evolução biológica de um modo satisfatório, a teoria darwinista contém vários erros conceituais e mal-entendidos dos quais raramente se fala, mas que são básicos para que se possa entender a fragilidade dessa explicação.
3.1. Morfologia e espécie
Em primeiro lugar, na obra inicial de Darwin, o termo “espécie” só aparece no título: não é mencionado em nenhum outro trecho do livro. Na realidade, o que se tenta dar é apenas uma explicação para a mudança morfológica dos seres vivos, e não para a sua espécie. A questão sobre como uma mudança de espécie pode ocorrer por acumulação de variações foi introduzida no darwinismo num momento bem posterior, mediante o conceito de “especiação”: existem mudanças evolutivas, mas somente algumas delas levam a mudanças de espécie, ou seja, só algumas acarretam especiação.
O próprio Darwin chega a reconhecer a sua frustração e os problemas quase insolúveis com que depara quando tenta determinar, numa série de exemplares que descreve, se são espécies diferentes ou variedades de uma mesma espécie. Depois de escrever um artigo científico num dos sentidos, não se convence, deixa-o de lado e escreve outro no sentido oposto, para depois abandoná-lo também e voltar ao enfoque original. Dessa perplexidade de Darwin podemos tirar uma lição bem clara: uma mudança de espécie não é uma mera mudança de morfologia.

Os pintassilgos que Darwin descreveu nas Ilhas Galápagos.
A ilustração é do livro
A origem das espécies.
3.2. Morfologia e padrão
O problema da determinação da espécie por meio de critérios exclusivamente científicos ou biológicos é insolúvel. Existe uma evidência intelectual da espécie: é a natureza ou essência de um ser vivo. Mas as evidências proporcionadas pela Ciência são de outro tipo (estritamente baseadas nos dados observados): por isso ela é não é capaz de dizer nada a esse respeito. A Ciência deve pautar-se pela evidência intelectual comum e organizar-se de acordo com ela, para depois, mediante raciocínios, identificar as espécies de acordo com os dados da observação.
Quando se aplica esse critério do conhecimento comum (ou do bom senso) à questão da espécie, chega-se à conclusão de que, do ponto de vista científico, uma espécie caracteriza-se por ter um padrão morfológico estável (dentro de uma certa margem de variações, maiores ou menores, que não o desfiguram). Com a geração, com os cruzamentos, etc. aparecem variações entre os diferentes indivíduos que não rompem esse padrão estável.
Para explicar a evolução, seria preciso explicar por que aparecem novos padrões morfológicos estáveis: esse seria o único enfoque cientificamente aceitável, pois procuraria identificar um substrato material utilizando os seus próprios métodos. Isso nunca foi feito, e nem sequer tentado seriamente (em parte, por causa da perda de foco no problema, causada pelo próprio darwinismo).
3.3. Origem e seleção
Por último, é evidente que as teses darwinistas partem da constatação da variedade, mas não a explicam. Com a chegada da genética, já em pleno século XX, tenta-se explicar essa variedade como resultado de mutações ao acaso. Mas, como é bem sabido, o acaso como causa é muito pobre e dificilmente consegue explicar alguma coisa, ainda mais no que se refere à enorme riqueza que vemos nos seres vivos, mesmo nos mais elementares; uma riqueza que se mostra cada vez maior à medida que a Biologia progride nas suas descobertas.
O que o darwinismo explica – ou pelo menos pretende explicar – é a filtragem das distintas formas (variações espontâneas) que os seres vivos assumem. O seu ponto forte é a seleção natural. Observa-se no entanto que muitas pessoas, ao simplificarem em demasia as teses darwinistas, acabam pensando que a origem das formas adaptadas se deve à própria seleção. Isso já é um erro, pois a seleção apenas elimina as formas não adaptadas. E se isso é assim, então de onde procedem as tais formas adaptadas? É óbvio para qualquer pessoa de bom senso que essas formas não surgem por acaso.

4. DARWINISMO E CIENTIFICISMO
Acabamos de esboçar, de modo muito sumário, o panorama atual da evolução, cujo ponto de vista é fundamentalmente darwinista. E já começaram a surgir algumas questões passíveis de crítica: daqui para a frente, tentaremos desenvolver essa visão crítica, centrada num pequeno número de pontos que nos parecem ser especialmente interessantes. Os primeiros versarão sobre o cientificismo para o qual pendem as explicações darwinistas.
4.1. Apenas ciência
Um dos apelos que tornaram a explicação darwinista tão popular hoje em dia é a sua pretensão de ser uma explicação exclusivamente científica. É possível mesmo acrescentar que é a única, pois até agora não apareceu nenhuma outra explicação que alcançasse alguma popularidade. Por isso o darwinismo – sob formas mais ou menos desenvolvidas – reina absoluto no panorama atual.
Para a cultura contemporânea, a explicação mais válida para a realidade é a explicação científica. Para quem vê o mundo assim, é muito conveniente dispor de uma explicação do fenômeno evolutivo que afirme ser (embora na verdade não o seja) exclusivamente científica.
4.2. Rejeição de Deus
Além de contar com a simpatia da mentalidade cientificista atual, a explicação darwinista presta-se ao jogo das ideologias materialistas e mecanicistas.
Ao longo do século XIX, todas as outras teorias sobre a evolução aliavam as explicações que hoje consideramos científicas a outras de cunho fortemente filosófico: questões sobre a finalidade natural, sobre tendências naturais na evolução dos seres vivos, etc., que aliás sempre foram clássicas nos estudos sobre a Filosofia da Natureza. Partindo desses temas, e também de outros, a reflexão filosófica sempre procurou dar prosseguimento aos seus raciocínios até chegar a Deus, cuja existência justifica – do ponto de vista teórico – essas finalidades e tendências na Natureza.
Com o darwinismo, a explicação torna-se meramente científica e desaparecem as aludidas questões filosóficas (que no entanto continuam a ser pertinentes): a partir desse momento, Deus já não é mais necessário no quadro da evolução. Neste ponto, convém esclarecer o seguinte: não se trata de afirmar que Deus cria a evolução, mas sim de que a observação da Natureza leva, por reflexão, à consideração de Deus como fundamento da realidade que se está observando, incluída a evolução.
Em suma: com o darwinismo, aparece a possibilidade de expulsar Deus da visão de uma Natureza em contínua evolução, já que se trata de uma explicação “puramente” mecânica ou biológica. Quando os contemporâneos de Darwin o acusavam de ateu, estavam percebendo como tudo isso ia acabar.
4.3. Darwinismo e fundamentalismo
Esse matiz ateu das teses darwinistas (claramente reforçado por muitos autores neodarwinistas posteriores) provocou uma reação dos cristãos: uma reação que se estendeu ao longo do século XX sob diversas formas, especialmente no âmbito norte-americano. Basicamente, o que se fez foi rejeitar em bloco a idéia de evolução biológica e as suas explicações darwinistas, justamente porque essas idéias (na sua versão materialista) se opõem às verdades religiosas sobre a criação e sobre o mundo.
Por isso começaram a ser movidas diversas ações judiciais nos Estados Unidos no sentido de garantir que as teses darwinistas (ou evolucionistas) fossem ensinadas nas escolas públicas apenas como sendo meras hipóteses, e exigindo que se dedicasse um igual número de horas ao ensino das teses criacionistas, propondo-as como uma alternativa à explicação científica.
Atitudes como essa derivam de uma confusão entre os diferentes planos explicativos da realidade (o científico e o filosófico) e também de uma simplificação: tanto da postura científica (reduzir a evolução à sua explicação darwinista, e esta à sua versão materialista) como da postura religiosa (reduzir a criação à produção direta de cada coisa por Deus no exato momento em que começa a existir, sem diferenciar a causalidade transcendente de Deus da causalidade imanente do mundo).
4.4. O novo conservadorismo
Esse clima de “guerra entre ciência e religião” mudou nos últimos anos, a partir do momento em que começaram a surgir críticas ao darwinismo dentro do próprio campo da ciência, por parte da chamada escola do intelligent design. A sua idéia de fundo é relativamente simples: o mecanismo postulado pelo darwinismo não explica o surgimento de sistemas irredutivelmente complexos. Tais sistemas não podem proceder de outros mais simples, mediante pequenas variações, precisamente porque os sistemas mais simples não são funcionais; existe um grau máximo de simplificação, além do qual já não há tal funcionalidade. Encontram-se na Natureza muitos exemplos de funcionalidade irredutível, cuja origem não pode ser explicada pelo darwinismo.
A saída que os partidários dessa escola encontraram para explicar os sistemas irredutivelmente complexos foi afirmar que eles são fruto de um projeto inteligente (intelligent design), pois a sua funcionalidade exibe uma finalidade (um “para quê”) evidente. Mas, ao formularem essa explicação, evitam entrar em maiores profundidades filosóficas.
Essa oposição ao darwinismo (que o público e muitos biólogos erradamente interpretam como uma oposição à própria idéia de evolução) obviamente não é feita a partir de uma visão religiosa do assunto. Sendo assim, a discussão que antes era entre Ciência e Fé derivou para uma discussão entre liberais e conservadores, na qual estes últimos não têm uma posição explicitamente baseada em idéias religiosas.
Como já vimos, o trabalho de divulgação científica levado a cabo por evolucionistas materialistas e ateus (como Carl Sagan e Richard Dawkins, entre outros) influiu decisivamente para que surgissem atitudes desse tipo contra o darwinismo (e também contra a evolução, conforme a simplificação já mencionada). A pressão no sentido de criar um clima de opinião materialista foi tanta que acabou por produzir uma reação – em alguns casos puro fruto da irritação, mas em outros muito justificada – por parte dos que não se consideram materialistas nem ateus. Isso fez também com que certas questões claramente filosóficas (embora atualmente não sejam chamadas assim) retornassem ao âmbito da explicação.
 
5. O DARWINISMO EM APUROS
Voltando à questão do darwinismo em si, não podemos deixar de mencionar as dificuldades de natureza exclusivamente científica que lhe foram levantadas nas últimas décadas. Até mesmo a enumeração das principais que surgiram a partir dos anos 1970 já seria muito demorada, mas não podemos deixar de aludir a obras como a do zoólogo Grassé, que com base na sua ciência denuncia a incapacidade do darwinismo para explicar o que pretende.
A fim de mostrar com certa profundidade uma das dificuldades apontadas nestas décadas, descreveremos a questão do equilíbrio pontuado e a resposta que lhe deram os darwinistas: a chamada especiação alopátrica. Terminaremos mencionando brevemente outras dificuldades, para que se veja que o reinado das idéias darwinistas não é indiscutível, apesar do seu esmagador predomínio na época atual.
5.1. O equilíbrio pontuado
Já era evidente desde o século XIX que as diferenças entre os diversos restos fósseis não seguiam uma graduação suave. Mas a explicação de Darwin era que toda a evolução se processou por meio de variações minúsculas, e portanto, entre duas formas quaisquer claramente diferenciadas, deveriam existir restos das formas intermediárias. E por que não são encontrados?
A resposta dada no século XIX foi de que isso se devia às falhas no registro fóssil: nem todo o ser vivo deixa restos fossilizados, e os que estavam sendo descobertos ainda eram poucos; por isso era lógico que nem todas as formas intermédias estivessem já à disposição. No entanto, com o decorrer dos anos a situação não melhorou, e assim permanece até hoje: não apareceram formas intermédias da transição entre formas claramente diferentes. As novas descobertas de fósseis parecem estar configurando um quadro repleto de formas escalonadas, mas nunca suavizando a transição entre as formas já conhecidas.
O trabalho de Stephen Jay Gould, nos anos 70, foi o que consagrou a expressão equilíbrio pontuado para referir-se a esse fenômeno. Depois de estudar uma série especialmente nítida de fósseis, Gould concluiu que a nossa busca por “elos perdidos” provavelmente nunca dará frutos, e que a evolução só deixou vestígios descontínuos.
Isto porém acarreta um grave problema para o darwinismo ortodoxo, já que os fatos observados desmentiriam a teoria. A maneira encontrada para compatibilizar as teses darwinistas com as observações foi a hipótese da especiação alopátrica.
5.2. Especiação alopátrica
O próprio Darwin já havia notado que as possibilidades de uma variação ser transmitida à descendência são pequenas quando os indivíduos de uma determinada população têm muita liberdade para se reproduzirem. Nesse caso, a característica vantajosa dilui-se na população sem repercutir na forma dos indivíduos de toda a espécie.
Essa dificuldade, notada já nos começos da teoria sintética, foi explicada nos anos 1940 partindo do fato de que a diluição e desaparecimento da nova característica não tem por que ocorrer se essa característica surge em populações pequenas e de alguma forma isoladas. O caso mais simples é o de uma ilha: de fato, é muito freqüente encontrar em ilhas uma flora e uma fauna autóctones, o que parece apoiar essa hipótese.
 
O lago Turkana, no Quênia (África)
Na década de 1980, observações feitas com conchas de mexilhões no lago Turkana ressaltaram a inexistência de formas intermédias nesse caso concreto, minuciosamente analisado. Isso levantou dois sérios problemas: em que consiste o isolamento nessas circunstâncias?; e por que em alguns casos ocorrem saltos evolutivos e em outros as espécies permanecem estáveis? Na época, a revista Nature comentou essas experiências num artigo, fazendo uma pergunta retórica: a explicação darwinista falhou? (obviamente a resposta era que não, bem de acordo com a sua conhecida linha editorial).

Embora o problema seja mais complicado do que sugere o breve resumo apresentado aqui, tudo parece indicar que a chamada especiação alopátrica não passa de uma explicação ad hoc confeccionada para salvar ao mesmo tempo a explicação darwinista e os saltos entre as formas nos registros fósseis suficientemente completos.
5.3. Observando e experimentando
É óbvio que a evolução por saltos – para a qual a saída darwinista foi a especiação alopátrica – é apenas uma das dificuldades enfrentadas pela hipótese neodarwinista. A modo de exemplo, poderíamos citar mais algumas outras.
Como dissemos, para explicar a transformação de uma espécie em outra foi necessário postular que parte da sua população ficou isolada. No entanto, nunca foi possível relacionar um isolamento concreto com uma especiação concreta: só existem suspeitas e dados sugestivos (como aquele da fauna e da flora em ilhas). Em nenhum caso demonstrou-se que a transformação de uma espécie em outra se deveria a uma determinada circunstância de isolamento.
Outra questão diferente e igualmente relevante: nunca foi possível determinar, para uma espécie dada, nenhum fator concreto que estivesse implicado na seleção que a consolidou.
Para tentar contornar essas dificuldades, foram feitas muitas experiências nas quais se procurou agir sobre a natureza para ver se o mecanismo da seleção natural funciona mesmo. Uma das mais clássicas foi a de Kettlewell com as formas escuras e claras da mariposa Biston betularia. Kettlewell colocou pássaros, troncos de abeto e mariposas num recinto fechado e observou que, quando os troncos estavam cobertos de fuligem, os pássaros comiam mais mariposas claras do que escuras, já que as mais claras eram mais visíveis. Embora o caso parecesse inquestionável, observou-se posteriormente que na natureza as mariposas não pousam sobre os troncos, e sim na parte de trás das folhas, onde não podem ser vistas, quer sejam elas claras ou escuras. Isto sem entrar em detalhes como o de que os pássaros da experiência estavam famintos e o de que as mariposas estavam mortas e foram coladas sobre os troncos.
 
A experiência de Kettlewell
 
Outra linha de experimentação consistiu em submeter seres de ciclo vital muito rápido, como bactérias ou moscas, a condições ambientais forçadas, com a esperança de conseguir uma especiação num tempo relativamente curto. Todos as experiências desse tipo fracassaram: só foi possível obter variações sobre a espécie original, que sempre reaparecia após cessarem os fatores externos de seleção artificialmente introduzidos no ambiente. Isto aliás leva-nos a outro problema: não está demonstrado que a evolução, como fenômeno global (macroevolução), seja resultado do acúmulo de pequenas variações (microevolução): trata-se apenas de uma suposição que os darwinistas teimam em manter.
De qualquer forma, todas essas experiências e observações giram ao redor da idéia darwinista, seja para comprová-la ou refutá-la. Mas o problema não é esse, e sim o de explicar a origem das novas formas dos seres vivos: sobre este assunto, a seleção natural não tem nada a dizer. O importante é o que se afirme sobre a causa da origem das novas formas (mesmo admitindo que depois tenham que passar pelo crivo da seleção natural); o darwinismo, porém, nada diz sobre isso: limita-se a afirmar que tudo acontece por acaso. Mas todos sabemos por experiência que o acaso explica muito poucas coisas; não é uma causa como as outras, pois nem sempre produz o seu efeito (nem mesmo na maioria das vezes).
Quando procuramos uma explicação para a evolução, o que queremos é encontrar uma causa autêntica, capaz de explicar o processo de um modo claro, evidenciando uma lei interna. Atribuir a origem das formas ao acaso é uma saída pela tangente.
 
 
O biólogo americano Stephen Jay Gould e o seu livro The structure of evolutionary theory
6. OS DESDOBRAMENTOS MAIS RECENTES
O predomínio absoluto do darwinismo, apesar das suas fraquezas internas, obteve uma confirmação em 2003 com a publicação da obra póstuma de Stephen Jay Gould, A estrutura da teoria da evolução. Faremos a seguir um resumo parcial da sua linha argumentativa.
Trata-se de uma obra muito extensa (mais de 1.400 páginas), e era de esperar que fosse uma revisão e uma refutação de todas as críticas feitas ao darwinismo nas últimas décadas. Gould – um darwinista convicto e de muito prestígio – propõe no entanto uma coisa muito diferente.
6.1. Premissas básicas
Logo no início do livro, empregando o estilo ensaístico que o caracteriza, Gould compara a teoria da evolução a uma árvore, com uma série de elementos essenciais que não podem faltar: o tronco, os galhos, os ramos. Se algum desses elementos falha, não é possível que a estrutura se mantenha.
Na teoria da evolução (na versão darwinista que ele defende), haveria igualmente uma série de elementos que, se falhassem, fariam a teoria desmoronar. Concretamente, os elementos seriam estes três: (1) as variações espontâneas dos seres vivos (devidas a variações genéticas ao acaso); (2) a seleção natural; e (3) a
afirmação de que todo o processo evolutivo (macroevolução) se reduz à acumulação de pequenas variações microevolutivas.
Seria de esperar que logo a seguir Gould passasse a defender essas teses das numerosas críticas que receberam: (1) Reduzir toda a novidade biológica às mudanças ao acaso não resiste a uma análise medianamente séria, nem biológica nem filosófica; (2) a seleção natural – que concebe a Natureza como palco de uma dura luta pela sobrevivência – não bate com o que se observa espontaneamente, que mais parece uma explosão de vida, com muito poucos obstáculos (isso sem falar que o significado de “seleção natural” nunca foi estabelecido com precisão: cada autor tem uma interpretação diferente para o que significa “mudança de espécie”, e nenhuma delas foi comprovada); e (3) não está demonstrado – como já dissemos – que a macroevolução é microevolução acumulada: isso não passa de mera suposição.
6.2. Coisas indiscutíveis e problemas inexistentes
Gould, porém, não faz nenhuma defesa desses pontos-chave. Simplesmente afirma que, se não aceitarmos esses pontos básicos, ficaremos sem nenhuma explicação para a evolução. É paradoxal que o principal sustentáculo das atuais teses darwinistas seja uma afirmação tão insubstancial como essa: a de que não existe nenhuma alternativa medianamente detalhada para explicar a evolução.
Trata-se de um problema basicamente psicológico: ninguém gosta de estar rodeado de dados brutos para os quais não possui uma chave interpretativa. Para quem está numa situação assim, agarrar-se a uma explicação “manca” (melhor seria dizer falsa, pois não se ajusta aos dados observados) é melhor do que ficar com os meros dados, à espera de que apareça alguém com talento suficiente para indicar qual o caminho que uma explicação adequada deve seguir.
Depois dessa afirmação inicial, toda a obra se dedica a perfilar questões de detalhe: os problemas de fundo (o acaso como causa das formas, a seleção e a macroevolução como microevolução acumulada) são varridos para debaixo do tapete. Essa atitude, que seria normal em um ou outro biólogo – talvez até mesmo num especialista em evolução –, não deixa de chamar a atenção em Gould, de quem se esperava uma visão científica mais crítica e que possuísse conhecimentos suficientes para apontar alternativas sérias para alguns dos pontos-chave do darwinismo. Fixação ideológica nas teses darwinistas? É uma hipótese plausível.
 
7. ERROS DE ABORDAGEM
Uma crítica como a que fizemos pode ser válida no caso de Gould – possuidor de um saber enciclopédico nesses temas -, mas não no da maioria dos outros autores darwinistas, que têm uma enorme dificuldade para enxergar outra solução diferente do darwinismo em virtude de uma série de idéias preconcebidas em Biologia que gozam de excessiva difusão. Vejamos alguns desses preconceitos, que me parecem ser os principais, embora seja possível trazer à tona outros mais.
7.1. O paradigma genético
Como já mencionamos, quando Darwin escreveu A origem das espécies, parte da sua explicação baseou-se nas observações que ele mesmo fez sobre a variação espontânea: nem todos os exemplares de uma espécie são iguais. Mas Darwin não aponta uma causa para essa variedade morfológica, pois a Biologia da época ainda não tinha uma explicação para esse fato.
A explicação do fenômeno só veio a ser formulada no começo do século XX, quando Weisman sugeriu a idéia do “plasma germinal”, isto é: de que uma certa parte do conteúdo líquido (o “plasma”) da célula seria a responsável pela transmissão dos caracteres hereditários à descendência. Apenas esse “plasma germinal” determinaria as características do indivíduo: o resto não. Com o passar do tempo, essa noção foi sendo mais perfilada: primeiro veio o conceito de gene (unidade de informação); depois soube-se que o material genético está no núcleo da célula; mais tarde (nos anos 1950), ficou conhecida a sua composição química e como a informação é codificada.
Essas descobertas iniciais legaram à Biologia o paradigma genético: cada característica do indivíduo deve-se a um gene que a codifica. De acordo com essa idéia inicial foi surgindo a mentalidade de que os genes dos seres vivos têm a chave para podermos entender e dominar a Biologia. De fato, a pesquisa biológica das últimas décadas direcionou-se para esse terreno, movida em parte por essa suposição, que se tornou uma mentalidade comum hoje em dia.
Uma vez que os biólogos passaram a ter essa idéia em mente, foi possível desenvolver a teoria sintética, que fornecia uma explicação muito imediata para as observações de Darwin sobre as variações dos indivíduos de uma população: se a forma é causada unicamente pelos genes, então as variações das formas deverão ser produto das variações dos genes; e se as variações das formas são aparentemente aleatórias, também deverão ser aleatórias as variações dos genes que as causam.
Mas se levarmos em conta os avanços da própria Biologia, esse paradigma, que permitiu o atual florescimento da genética, é hoje em dia insustentável. Mais adiante voltaremos ao assunto com outras detalhes.
7.2. A luta pela vida
O indiscutido reinado das teses darwinistas por mais de meio século, e seu ensino às crianças desde a mais tenra idade, contribuíram em boa medida para que arraigasse um segundo preconceito entre os biólogos: a idéia de seleção natural, que está associada à visão da Natureza como palco de uma árdua luta pela sobrevivência.
É óbvio que uma tal visão da Natureza é resultado de uma interpretação das realidades observadas. Estas são muito mais modestas, e penso que interpretá-las assim é forçar muito as coisas. Com isso não quero dizer que a manutenção da vida careça de problemas: todas as atividades vitais procuram manter a sua individualidade, e nisso o meio não ajuda, sendo portanto necessário um esforço por parte do ser vivente. Não é preciso ir muito longe para achar um exemplo: a própria homeostase, a auto-regulação dos organismos, depende de que existam processos ativos que mantenham o meio interno em condições razoavelmente estáveis, independentemente de como está o meio externo. Mesmo assim, querer ver uma “luta pela vida” até em realidades elementares como essa, e ainda por cima afirmar que essa é uma boa descrição da Natureza parece-me um exagero excessivo.
Contudo, parece-me que essa extrapolação incorreta tem uma outra origem: a observação da atividade predatória dos seres vivos uns sobre os outros. Observam-se cenas de caça ou de alimentação, em que uns seres vivos dependem da morte de outros para viver, e a seguir se extrapola dizendo que a vida de ambos é uma luta pela sobrevivência: a do predador para conseguir a sua presa, e a da presa para escapar e continuar a viver. Pode até ser que para um indivíduo concreto isso seja verdade, mas como diz o ditado, “uma andorinha não faz verão”: da observação de uma cena de caça não se pode deduzir que a espécie predatória está nas últimas, nem que a espécie caçada está em vias de extinção. Para fazer uma afirmação dessas, é preciso observar ambas as espécies de um modo completo e global.
Muitas das espécies que se envolvem em caçadas e perseguições – como as sardinhas e os bonitos ou as libélulas e as efêmeras – não têm o menor problema para continuar a existir por muitas gerações. A vida de um de seus indivíduos pode ver-se ameaçada por um predador concreto, mas isso não significa nada para a espécie como um todo. Interpretar o cenário de uma espécie inteira, ou até mesmo da Natureza em seu conjunto, como palco de uma dura luta pela sobrevivência, só porque se observam cenas de caça, é uma afirmação claramente desfocada.
O homem vê caçadas e perseguições há milhares de anos, mas só muito recentemente – depois que surgiram as teses darwinistas – isso foi interpretado como luta pela vida. A interpretação de sempre, muito mais coerente com os fatos observados, é a de que o mundo é um conjunto harmonicamente ordenado: nele ocorrem cenas de violência, mas isso não implica que a visão geral da Natureza precise ser modificada.
Seria possível aduzir muitas observações em sentido contrário ao da interpretação do mundo como luta. Os pássaros, por exemplo, na época do acasalamento, mostram-se com a sua plumagem mais colorida, ficam muitas vezes em lugares bem visíveis e se põem a cantar: se a sua vida estivesse por um fio, condutas desse tipo seriam inviáveis. Resumindo: o mundo é um lugar basicamente pacífico. Basta perguntar aos repórteres do mundo animal: quando querem filmar cenas de caça, ficam sempre à beira de desistir, de tão difícil que é.
7.3. A complexidade da vida
Outro preconceito freqüente em Biologia é o abuso do método analítico, que acaba por criar uma mentalidade mecanicista na interpretação da realidade biológica. O método científico analítico isola artificialmente as realidades que estuda, separando-as do resto, e tenta estabelecer o seu modo de funcionamento. Quem começa por esse tipo de estudos termina pensando que o ser vivo nada mais é do que a soma dos mecanismos elementares que a Ciência vai descobrindo. E isso é um erro de abordagem.
Vejamos, por exemplo, a relação gene-forma: hoje está suficientemente esclarecido que a relação entre a forma e a informação genética não é direta. Embora a expressão de alguns genes influa decisivamente no aparecimento das formas dos seres vivos, a forma só depende do código genético muito indiretamente. Durante o desenvolvimento, a forma é determinada não somente por aqueles poucos genes que controlam e determinam esse desenvolvimento, mas também por todos os outros genes que se manifestam, e além disso pela correta interação entre todos os elementos componentes do ser vivo e os fatores externos correspondentes.
A forma é o resultado de uma complexa interação entre todos os elementos do ser vivo durante o seu desenvolvimento, e não apenas uma simples transcrição de uma espécie de esquema contido na informação genética (mecanismo elementar que parece ser o único alvo das pesquisas de muitos biólogos). Afinal, os seres vivos são realidades complexas, unitárias, onde tudo tem a ver com tudo em diferentes graus, e por isso a separação do fator genético não deixa de ser uma deformação derivada da aplicação do método científico analítico. O que é real é a complexidade orgânica do ser vivo.
Portanto, considerar as mudanças nos seres vivos como simples resultados de mutações ao acaso é, no mínimo, uma simplificação excessiva. Para encontrar a origem das variações interindividuais nos seres vivos,b será preciso pesquisar o desenvolvimento embrionário e procurar nele todos os fatores reais que intervêm na produção da forma de cada ser vivo (alguns desses fatores serão genéticos e muitos serão não-genéticos). Além disso, será preciso considerar essa realidade em cada um dos diferentes níveis possíveis de estudo: (1) o do mecanismo básico (os genes e a sua expressão); (2) o das interações bioquímicas de nível superior (entre as proteínas produzidas, umas com as outras e com os genes e com as outras substâncias presentes na célula); e (3) todos os outros tipos de interações (entre as células, conjuntos de células e tecidos). Reduzir esse emaranhado a um só fator – a simples expressão de um certo número de genes – é um erro de perspectiva.
Podemos acrescentar que a Biologia não está ainda em condições de dar uma visão de conjunto do ser vivo que leve simultaneamente em conta os principais níveis de interação: restam enormes lacunas em seus conhecimentos.
7.4. A miopia do darwinismo
Um último tema merece ser tratado à parte, embora esteja relacionado com o mecanicismo que acabamos de mencionar. Trata-se da maneira peculiar com que o darwinismo encara a evolução, que tem muito de uma visão incorreta da realidade.
A explicação biológica que as teses darwinistas dão para a evolução é a já mencionada combinação de variações e seleção natural. Embora essa solução tenha numerosas dificuldades (como já vimos), sua virtude é ser uma explicação muito simples que à primeira vista apreende bem os fatos observados. Mas quando se tenta aprofundar nela, a questão complica-se, multiplicam-se os significados heterogêneos e o panorama torna-se bastante confuso e embaralhado.
É justamente nessa aparente simplicidade (fator que favoreceu o seu triunfo) que radica uma das suas dificuldades: partindo do “descobrimento” desse mecanismo, o darwinismo anuncia que explicou a evolução. Desse modo extrapola um único fator (que talvez até possa existir realmente) e afirma que tudo na evolução se reduz a esse mecanismo proposto ou dele deriva. Todos os outros possíveis fatores causais passam para um segundo plano ou são considerados sem importância, e no ensino básico sobre a evolução simplesmente desaparecem, demonstrando até que ponto tais elementos são tidos como relativamente acessórios.
Um estudo científico que pretenda ser sério, porém, não pode limitar-se somente a um dos elementos que descobre. A realidade é complexa, pode ser observada em diferentes níveis, e cada um desses níveis deve ter as suas próprias leis e explicações. O darwinismo esquiva-se dessa necessidade simplesmente expandindo o mecanismo da seleção a todas as classes possíveis de observação.
Se Darwin afirmava que a seleção filtra os indivíduos menos aptos, agora se diz que há seleção genética individual, reprodutiva, de gerações, etc., afirmações tão gratuitas quanto a da seleção de indivíduos e igualmente baseadas em pequenas observações interpretadas como sendo o comportamento global dos sistemas estudados.
Para poder responder à pergunta sobre o por quê da evolução, é necessário abandonar a atitude simplista de querer estabelecer apressadamente uma visão sintética que explique razoavelmente a realidade, enquanto se foge da tarefa de enfrentar os fatos em todos os níveis (genético, embriológico, metabólico, de populações, etc.). Esta é a tarefa que ainda está por fazer, e que a Biologia não está em condições de executar, nem agora nem dentro de qualquer prazo previsível. Enquanto isso, o darwinismo fica repetindo a sua cantilena: variações ao acaso e seleção natural.
 
8. CONCLUSÃO
Chegados a este ponto, resta formular a pergunta: se a explicação darwinista ou neodarwinista não é correta, então como se explica a evolução? E a resposta é sumamente simples: ainda não sabemos.
Com essa afirmação, não se quer afirmar que não tenhamos nem a mais remota idéia de onde possa vir a explicação. De fato sabemos muitas coisas soltas, não somente de tipo paleontológico, como também a respeito de questões genéticas, de parentescos entre as diversas espécies, de paleometabolismo, etc. Embora não tenhamos ainda uma explicação que reúna tudo isso num corpo coerente, não se pode dizer que não sabemos nada.
Também sabemos com bastante certeza que a explicação darwinista não é verdadeira, quais são as observações que nos permitem refutá-la e quais as dificuldades metodológicas envolvidas nesse assunto. Dizer que não podemos ainda explicar a evolução pode parecer uma afirmação que nos deixa no vazio, mas não é assim; não equivale a não saber nada: equivale a dizer que se sabe, e muito! Mas trata-se de um conhecimento ao qual nem todos os biólogos conseguem chegar, ou por causa dos defeitos de método acima mencionados, ou porque foge em parte do seu campo de atuação, ou ainda por outras razões. Todo esse conhecimento é orientador de futuras pesquisas, e não uma porta fechada diante de nós.
O que está claro é que o medo de ficar sem um marco de idéias em que encaixar os dados que possuímos não nos deve inibir de repudiar o darwinismo, pois a sua aceitação desorienta a pesquisa posterior: em questões de dinâmica das populações, sobre a importância de outros fatores no processo seletivo e em questões de genética. Tudo por causa da mentalidade darwinista de considerar o acaso como causa. O neodarwinismo de fato tende a concentrar o seu trabalho unicamente em desvendar como os genes causam a forma (o que é uma visão parcial), em considerar a pressão ambiental sobre as espécies e em tentar identificar quais condutas que são favoráveis ou prejudiciais à sobrevivência.
Enquanto predominar o darwinismo, uma questão básica permanecerá sem ser investigada: por que aparecem novos padrões morfológicos nos seres vivos? Do ponto de vista científico, tais padrões são a única coisa tangível que pode ser verificada numa nova espécie, e é justamente este ponto-chave que o darwinismo abandona e deixa de estudar, relegando a sua causa ao simples acaso. Trata-se evidentemente de um ponto que sugere muitas pesquisas importantes em embriologia e em outras disciplinas, e é por isso que rejeitar o darwinismo não implica apenas fechar certas portas: também abre muitas outras.
Uma vez explicada a origem das novas formas dos seres vivos, será possível abordar a questão da causa de que umas desapareçam e outras sobrevivam. Mas essa é uma questão sobre o crivo posterior a que são submetidas umas formas que já existem: o próprio crivo não explica de modo algum a existência dessas formas. Ao estudar a evolução – insisto –, o que nos interessa é a origem das formas: sobre isso o darwinismo nada disse neste último século e meio.
Fonte: site da Universidade de Navarra
Link: http://www.unav.es/cryf/curso05ap.html
Tradução: Quadrante
Antonio Pardo
Professor-adjunto do Departamento de Humanidades Biomédicas da Universidade de Navarra.
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