quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II AOS PARTICIPANTES NO COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE O TEMA "AS COMUNS RAÍZES CRISTÃS DAS NAÇÕES EUROPEIAS"


Sexta-feira, 6 de Novembro de 1981
 
Ilustres Senhores
Por ocasião destes dias de estudo, dedicados às "Comuns raízes cristãs das Nações Europeias", desejastes esta Audiência, para vos encontrardes comigo.
Ao mesmo tempo que dirijo a todos vós pessoalmente, homens da cultura da Europa e do mundo inteiro reunidos em Roma, a saudação mais sentida, manifesto-vos o meu agradecimento, não só por esta vossa visita, para mim tão agradável, mas também porque escolhestes, como ponto de partida e argumento das vossas reflexões, ideias que sinto intimamente radicadas no meu espírito e encontrei modo de exprimir desde o princípio do meu Pontificado (Discurso de 22 de Outubro de 1978) e depois sucessivamente: na Homilia na praça da Catedral de Gniezno (3 de Junho de 1979), no discurso feito em Czestochowa aos Bispos Polacos (5 de Junho de 1979); durante as visitas a Subiaco, a Montecassino e Núrsia, ao celebrarem-se 1.500 anos a contar do nascimento de São Bento; no discurso pronunciado na Assembleia Geral da UNESCO (2 de Junho de 1980); e sobretudo manifestei claramente e sintetizei na Carta Apostólica Egregiae Virtutis (31 de Dezembro de 1980), com que proclamei São Cirilo e São Metódio patronos da Europa unindo-os a São Bento.
Obrigado por esta sensibilidade e atenção às ansiedades apostólicas características da vida do Pastor supremo da Igreja que, em nome de Cristo, se sente também Pai afectuoso e responsável da humanidade inteira.
O grito que me saiu espontâneo do coração naquele dia inesquecível, em que pela primeira vez na história da Igreja um Papa eslavo, filho da atormentada e sempre gloriosa Polónia, iniciava o seu serviço pontifício, não era senão o eco da aspiração que moveu São Cirilo e São Metódio a afrontar a sua missão evangelizadora: "Abri, escancarai as portas a Cristo! Não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder... Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas económicos como os políticos, os vastos campos da cultura, da civilização e do progresso. Não tenhais medo. Permiti a Cristo falar ao homem. Só Ele tem palavras de vida".
Conheceis a vida e as vicissitudes dos dois Santos eslavos: bem se pode dizer que a existência deles se apresenta sob dois aspectos essenciais: imenso amor a Cristo e tríplice fidelidade.
O amor apaixonado e corajoso que tiveram a Cristo manifestou-se na fidelidade à vocação missionária e evangelizadora, na fidelidade à Sé Romana do Pontífice e, enfim, na fidelidade aos povos eslavos. Anunciaram a verdade, a salvação e a paz; quiseram a paz! E por isso respeitaram as riquezas espirituais e culturais de cada povo, bem convencidos de que a graça trazida por Cristo não destrói, mas eleva e transforma, a natureza. Por esta fidelidade ao Evangelho e às outras culturas locais, inventaram um alfabeto particular para tornar possível a transcrição dos livros sagrados na língua dos povos eslavos, e assim, contra as recriminações daqueles que defendiam quase como dogma as três línguas sagradas — o hebraico, o grego e o latim (os "pilatinos" como lhes chamava São Cirilo) — estes introduziram a língua eslava também na liturgia, com autorizada confirmação do Papa, e como primeira mensagem traduziram o "Prólogo" do Evangelho de João. "Gregos de origem, Eslavos de coração, confirmados por Roma, são fúlgido exemplo do universalismo cristão. Desse universalismo que abate as barreiras, extingue os ódios e une todos no amor de Cristo Redentor Universal" (Carta do Cardeal Secretário de Estado aos fiéis participantes nas celebrações de São Cirilo e São Metódio em Velehrad, na Checoslováquia. Cf. L'Osservatore Romano, 6-7 de Julho de 1981).
2. A proclamação dos dois Santos Apóstolos dos Eslavos como patronos da Europa, juntamente com São Bento, queria primeiro que tudo recordar o undécimo centenário da Carta Industrias Tuae — enviada pelo Papa João VIII ao Príncipe Svatopluk em Junho do ano de 880, na qual era louvado e recomendado o uso da língua eslava na Liturgia — e o primeiro centenário da publicação da Carta Encíclica Grande Munus (30 de Setembro de 1880), com a qual o Pontífice Leão XIII recordava a toda a Igreja as figuras e a actividade apostólica dos dois Santos. Mas com ela quis, particularmente, sublinhar que "a Europa no seu conjunto geográfico é, por assim dizer, fruto da acção de duas correntes de tradições cristãs, a que se juntam também duas formas diversas de cultura, ao mesmo tempo contudo profundamente complementares" (ibid.): Bento abraça a cultura prevalentemente ocidental e central da Europa, mais lógica e racional, e expande-a mediante os vários centros beneditinos nos outros continentes; Cirilo e Metódio põem em relevo especialmente a antiga cultura grega o a tradição oriental, mais mística e intuitiva. Esta proclamação quis ser o reconhecimento solene dos seus méritos históricos, culturais e religiosos na evangelização dos povos europeus e na criação da unidade espiritual da Europa.
Também vós, Ilustres Senhores, vindos de tantas partes do mundo, vos detivestes nesta a reflectir sobre o inegável fenómeno de unidade ideal do continente. Os Responsáveis pela Universidade Lateranense de Roma e pela Universidade Católica de Lublim quiseram chamar para aqui, para a Cidade Eterna junto da Sé de Pedro, durante quatro dias de intensa actividade, mais de 200 intelectuais de 23 Nações europeias e extra-europeias, com um esquema de estudo ordenado em 12 grupos de trabalho incluindo centenas de relatos. Duas Instituições culturais de prestígio internacional convidaram homens do pensamento e responsáveis, a que entrassem, com diálogo fraternal e construtivo, no espírito e na área da solicitude não só da Igreja Católica, mas também das mais altas Organizações Mundiais. Seguiu-se com vantagem uma linha de absoluta convergência: a busca das raízes cristãs dos povos europeus para oferecer uma norma à vida de cada cidadão e dar significado complexivo e direccional à história que estamos vivendo, por vezes com. alarmante angústia.
Temos, de facto, uma Europa da cultura com os grandes movimentos filosóficos, artísticos e religiosos que a distinguem e fazem mestra de todos os Continentes; temos a Europa do trabalho que, mediante a investigação científica e tecnológica, se desenvolveu nas várias civilizações, até chegar à actual época da indústria e da cibernética; mas há também a Europa das tragédias dos povos e das Nações, a Europa do sangue, das lágrimas, das lutas, das rupturas e das crueldades mais espantosas. Também sobre a Europa, não obstante a mensagem dos grandes espíritos, se fez sentir, pesado e terrível, o drama do pecado e do mal, que, segundo a parábola evangélica, semeia no campo da história a funesta cizânia. E hoje, o problema que nos preocupa é precisamente salvar a Europa e o mundo de novas catástrofes.
3. Sem dúvida, o Congresso, em que participais, tem directamente um programa e um valor científico. Mas não basta ficar no plano académico. É necessário também procurar os fundamentos espirituais da Europa e de cada Nação, para encontrar uma plataforma de encontro entre as várias tensões e as várias correntes de pensamento, para evitar ulteriores tragédias e sobretudo para dar ao homem, a "cada um" dos que se dirigem pelos vários caminhos para a Casa do Pai, o significado e a direcção da sua existência.
Eis então a mensagem de Bento, de Cirilo e Metódio, de todos os místicos e santos cristãos, a mensagem do Evangelho, que é luz, vida, verdade, salvação do homem e dos povos. A quem nos dirigiremos, na realidade, para conhecer o "porquê" da vida e da história, senão a Deus, que se fez homem para revelar a Verdade salvadora e para remir o homem do vazio e abismo da angústia inútil e desesperada? "Cristo Redentor — escrevi na Encíclica Redemptor Hominis — revela plenamente o homem ao homem mesmo. Esta é... a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e os valores próprios da sua humanidade... O homem, que deseja compreender-se a si mesmo até ao fundo,... deve — com a sua inquietação e incerteza, e também com a sua fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e a sua morte — aproximar-se de Cristo. Deve, por assim dizer, entrar n'Ele com tudo o que é em si mesmo..." (n. 10). A Europa necessita de Cristo! Necessita de entrar em contacto com Ele, de apropriar-se da Sua mensagem, do Seu amor, da Sua vida, do Seu perdão, e das Suas certezas eternas e exaltadoras! É necessário compreender que a Igreja, por Ele querida e fundada, tem como único objectivo transmitir e garantir a Verdade por Ele revelada, e manter vivos e actuais os meios de salvação por Ele mesmo instituídos, isto é, os Sacramentos e a oração. Isto compreenderam espíritos eleitos e reflectidos, como Pascal, Newman, Rosmini, Soloviev e Norwid.
Encontramo-nos numa Europa em que se torna cada vez mais forte a tentação do ateísmo e do cepticismo; em que alinha uma penosa incerteza moral com a desagregação da família e a degeneração dos costumes; em que domina um perigoso conflito de ideias e movimentos. A crise de civilização (Huizinga) e o ocaso do Ocidente (Spengler) querem apenas significar a extrema actualidade e necessidade de Cristo e do Evangelho. O sentido cristão do homem, imagem de Deus, segundo a teologia grega tão amada por Cirilo e Metódio e aprofundada por Santo Agostinho, é a raiz dos povos da Europa e, para ele urge apelar com amor e boa vontade para dar paz e serenidade à nossa época: só deste modo se descobre o sentido humano da história, que na realidade é "História da salvação".
4. Ilustres e caros Senhores!
Apraz-me concluir recordando o último gesto e as últimas palavras de um grande eslavo, ligado por amor profundo à Europa, Fiodor Michailovic Dostojevavskij, que morreu há  cem anos, na tarde de 28 de Janeiro de 1881 em Petroburgo. Grande enamorado de Cristo, tinha escrito: "... a ciência sozinha não completará nunca todo o ideal humano e a paz para o homem; a fonte da vida e da salvação do desespero para todos os homens, a condição 'sine qua non' e a garantia para o universo inteiro encerram-se nas palavras 'O Verbo fez-se carne' e 'na fé nestas palavras' " (F. Dostojevskij, Os Demónios). Antes de morrer mandou ainda que lhe trouxessem e lessem o Evangelho que o tinha acompanhado nos dolorosos anos da prisão na Sibéria e entregou-o aos filhos.
A Europa precisa de Cristo e do Evangelho, pois aqui estão as raízes de todos os seus povos! Estai vós também atentos a esta mensagem!
Acompanhe-vos a minha Bênção, que vos concedo com grande afecto no nome do Senhor!
 
Copyright 1981 Libreria Editrice Vaticana   
 

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