terça-feira, 18 de janeiro de 2011

François Furet


por Cristiane Nova
"Sinto necessidade de procurar na história o segredo do presente".
"Os dois autores mais importantes para mim, de longe, são Marx e Tocqueville".
"A tensão da história está sempre entre a erudição e as hipóteses de conjunto. Portanto, considero que o historiador deve sempre conservar as duas, ou seja, ser sério no manejo das fontes, de seus conhecimentos, e ao mesmo tempo não ter medo das hipóteses".
"Advogo que os historiadores parem de querer por todos os meios dar provas de originalidade, operando somente novos microtemas, e ataquem os grandes temas que o século XIX nos legou e nos quais ainda estamos".
"Hoje se pode transformar em historiadores uma pessoa que conhece muito bem as fontes de arquivos de um certo período, mas não leu os grandes textos de filosofia ou de história do século XIX ou XX sobre o assunto. Isto é um pouco do produto do positivismo, ou seja, da idéia de que basta descobrir os fatos da história para em seguida começar a escrever".

Uma acidente — fruto de uma queda, enquanto jogava uma partida de tênis, que o fez bater a cabeça no chão — provocou a morte do popular historiador francês, François Furet, aos setenta anos de idade, no dia 12 de junho deste. Polêmico, controvertido e incisivo, Furet, sem dúvidas, deixou marcas profundas na historiografia francesa desse fin de siècle.
Filho de pais burgueses (seu pai era banqueiro), mas não de todo conservadores, Furet pôde crescer num ambiente familiar liberal. Tendo participado dos acontecimentos quem marcaram o fenômeno da resistência francesa, ingressa no Partido Comunista. Ao tomar contato com o marxismo, interessa-se pelo estudo da história. Mas bastou uma dezena de anos para que ocorresse seu afastamento, não apenas do PC e do stalinismo, mas do marxismo e da esquerda de uma forma mais ampla, retornando, dessa forma, às suas origens, após um breve "deslize", um "acidente" histórico.
Mas não abandona a história. Toda a carreira historiográfica de François Furet esteve marcada pela sua experiência política, com a qual precisava acertar as contas. Ligou-se ao movimento da Nova História, fazendo parte da direção da École des Hautes Études en Sciences Sociales. Na importante obra coletiva Faire de l’Histoire (no Brasil História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976), dirigida por Le Goff e Pierre Nora, escreve um artigo conclamando os historiadores para a necessidade de se utilizar a serialização documental ("O quantitativo na história"). Fora as questões de ordem teórica, concentrou-se no estudo de aspectos da Revolução Francesa, cujo objetivo central foi, em grande medida, contradizer as interpretações marxistas sobre o fenômeno. Desta forma, opôs-se a várias tradições de historiadores que aprenderam com Jules Michelet a ver na Revolução Francesa uma transformação imposta pelo movimento popular, mais que legítima, necessária para o conjunto da população. Assim, todos os clássicos, toda a interpretação, dos românticos aos liberais, mas também, mais recentemente, dos democratas radicais e jacobinistas aos marxistas, foram colocados em causa. Nesse amplo espectro, incluem-se historiadores da melhor estirpe, como Georges Lefebvre, Albert Soboul, Jacques Godechot, assim como Michel Vovelle, para falar de alguns dos quais nem sequer colocam como problema a legitimidade (ou não) da Revolução. Poder-se-ia falar ainda de outros, mais engajados à esquerda, como intérpretes dos mais radicais na defesa de 1789: Jean Jaurés, Daniel Guérin, Maurice Dommanget, ou Daline, que se situam, no espectro emblematizado pela Revolução, na extrema esquerda. Entretanto, a rigor, mesmo na obra dos conservadores, em boa parte, senão na maioria dos casos, (e independentemente de suas particularidades analíticas), reconhece-se que a Revolução é um passado irremovível e que seus julgamentos deveriam partir daí. Ao admitirem a sua ocorrência, puderam aceitá-la como um fato, ainda que sem concordar a posteriori com o projeto original que lhe era inerente. Compreenderam-na.
Furet, por sua vez, privilegiando a política como elemento histórico decisivo, concluiu que a Revolução Francesa se constituiu em um "acidente" histórico ( como o passado dele mesmo) que em nada se assemelharia a uma "revolução burguesa". Aliás, o atraso em relação às demais potências capitalistas, no qual a França soçobrou desde a 1789 até 1875, seria a prova última de tal hipóstese e do absurdo desnecessário que ela representou! Pierre Goubert afirma que a longa duração de Furet torna os eventos secundários e cria a ilusão de revoluções pacíficas, sendo que o seu objetivo maior é separar o processo iniciado em 1789 das revoluções do século XIX e da Revolução de Outubro de 1917. Rigorosamente, e em última análise como diz Goubert, para Furet, é a definição mesma da revolução que não faz mais sentido. Provavelmente, isto explica o fato de que a mídia televisiva e escrita tenha transformado-o no "mestre espiritual" do bicentenário. O jornal Le monde, por exemplo, na edição de 11 de dezembro de 1988, intitulou a sua ação de "insubstituível". Entretanto, suas formulações fazem lembrar as analogias de Hobsbawm, acerca das memórias de algum historiador talentoso e amargo, que por não se lembrar mais das causas da Segunda Guerra Mundial, concluiria — de modo anacrônico, por uma condenação da Guerra a posteriori, como se ela não tivesse causas — que ela foi uma catástrofe inútil. Mas a tarefa do historiador não se assemelha a de nenhum juiz!
Durante as comemorações do bicentenário da Revolução, suas teses ganharam destaque e popularidade, junto à de outros "revisionistas", muito em função da conjuntura política. Recentemente (1995), lançou um outro livro polêmico: O passado de uma ilusão: ensaio sobre o ideário comunista no século XX. Mais uma vez, tenta reduzir as revoluções aos aspectos políticos e ideológicos e "desmistificar" o conteúdo da teoria marxista, num discurso ainda mais conservador do que o anterior, caracterizando todas as revoluções como absurdos.
No entanto, se seus argumentos sobressaem-se pela polêmica, pelo entusiasmo de seu discurso, auxiliado pelo apoio da mídia e do "ambiente" intelectual favorável, eles carecem de consistência. E Furet esbarra na ilusão de poder passar uma borracha em seu próprio passado e, mais ainda, no da humanidade. Doce ilusão!
Obras importantes do autor: Pensando a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. u Marx a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. u A oficina da história. Lisboa: Gradiva, s. d. Dicionário crítico da Revolução Francesa. (em co-autoria com Mona Ozouf). Rio de Janeiro: Nova Fornteira, 1989. u O passado de uma ilusão: ensaio sobre o ideário comunista do século XX. São Paulo: Siciliano, 1995.

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