sábado, 30 de outubro de 2010

A questão mundial é antropológica. Uma apreciação da Caritas in Veritate


 
Jean-Pierre Denis, diretor da revista semanal francesa La Vie, 08-07-2009, em artigo intitulado "Humanismo" comenta a carta encíclica Caritas in Veritate, de Bento XVI.
Eis o artigo.
A questão social tornou-se mundial, dizia Paulo VI, em 1967. A questão mundial tornou-se antropológica, analisa Bento XVI, um pouco mais de quarenta anos depois, na sua nova encíclica Caritas in veritate. Paulo VI tinha visto a vinda da globalização. Bento XVI assiste, como nós, à uma crise que nos torna inseguros sobre o nosso futuro, ainda arrrogantes, mas já hesitantes. O desafio da globalização é, agora, a própria pessoa humana, mais que as estruturas sociopolíticas ou as doutrinas econômicas. Todos os problemas sociais giram em torno da dignidade da pessoa humana. Sim, o desafio é antropológico.
Paulo VI, Bento XVI. A comparação se impõe. O primeiro se voltava para “os homens de boa vontade”, e numerosos militantes viram ali algo onde fundamentar o seu compromisso sem exclusividade, no contexto de uma cristandade sociologicamente dominante. O segundo convida os cristãos a recordarem o que os fundamenta espiritualmente. Na hora da secularização, os crentes se sabem imersos num mundo plural. Eles provam às vezes – sobretudo os jovens – a necessidade de compreender não somente o que eles podem fazer, mas também o que eles podem ser. A sua visão social torna-se, talvez, mais introspectiva. Bento XVI o afirma com uma ponta de provocação: “Um cristianismo de caridade sem verdade pode facilmente ser confundido com um reservatório de bons sentimentos, úteis para a coexistência social mas não tendo mais que uma incidência marginal”.
Se se lê com atenção, a encíclica é angustiada, mas ela não é mais negativa do que a de Paulo VI, que julgava que o mundo estava “doente”. A técnica? Ela é “ambivalente”. O lucro? Ele é “útil se”... O Papa denuncia certamente “os efeitos deletérios de uma atividade financeira especulativa”. Mas, no fundo, nada é mau em si. Nem a finança, nem o mercado, nem a globalização. Somente são perversos as paixões que nos impelem a “absolutizar” tal ou tal mecanismo, numa lógica do puro lucro. Inversamente, somente é autenticamente bom o que leva ao “desenvolvimento humano integral”. Uma noção que deve muito a dois franceses: o filósofo Maritain – um dos fundadores de Temps présent, a revista donde saiu a revista La Vie – e o frei dominicano Lebret, pioneiro do desenvolvimento na hora da descolonização.
Integral? Durante muito tempo, se considerou o social como separado do ambiental e este separado do financeiro, e este separado do ético. Com a globalização, descobre-se que todos os desafios estão interligados.  É aqui que o cristianismo, referindo-se à uma verdade transcendente, afirma ter a chave e pretende dar à pessoa humana sua verdadeira unidade. O desafio, dissemos acima, é antropológico. A nova questão social, é a questão do homem. Impossível continuar cortando a espécie humana em pedaços. A desejo do respeito da vida encontra-se tanto na ecologia como na bioética, como nos novos boat people que a Europa reprime. Então, sem dúvida, porque a encíclica passa tudo isso em revista , ela perde em força e respiro o que ele ganha em detalhes. Esperamos, agora, um grande texto centrado nos desafios da biodiversidade. Mas Bento XVI convida à “uma nova  síntese humanista”. E isso, finalmente, é sagradamente ambicioso, pois o humanismo, nestes últimos tempos, não tem sido tão forte.

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