segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939

Autor: d. Estevão Bettencourt
(Fonte: Pergunte e Responderemos 456 - pp. 208-218)

Ainda Pio XII e sua época:

Em síntese: O presente artigo refere tópicos da perseguição movida pelo nacional-socialismo alemão contra a Igreja Católica entre 1933 (ano da ascensão de Hitler ao poder) e 1939 (ano em que começou a segunda guerra mundial e se acalmou um tanto a perseguição). Os episódios narrados mostram o requinte de um plano que, na sua fúria exterminadora, associou entre si cristãos e judeus por causa das raízes semitas do Cristianismo. O Governo alemão era infenso à Cúria Romana e ao Papa Pio XI, cujo Secretário de Estado era o Cardeal Eugenio Pacelli; quando este foi à França em 1937, a imprensa alemã o tachou de amigo dos judeus e dos comunistas - o que bem mostra quão inverossímil é dizer que Pacelli (Papa Pio XII) era "O Papa de Hitler" ou amigo do nacional-socialismo.

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O debate sobre Pio XII e sua atitude frente ao nacional-socialismo de Adolf Hitier continua, embora já tenha sido repetidamente demonstrado que Pio XII não pactuou com o nazismo, mas, ao contrário, opôs-se-lhe e defendeu os judeus contra a sanha anti-semita. Uma nova abordagem da questão pode ser proposta, ao considerarmos a perseguição movida por Hitler e seus seguidores contra a Igreja Católica: ver-se-á que Pio XII soube reagir, direta ou indiretamente, às investidas do nacional-socialismo, ao qual ele não podia dar o seu aval. - Eis por que, nas páginas subseqüentes, apresentaremos alguns tópicos da ação antieclesial do hitlerismo muito significativos para se entender o contexto em que Pio XII viveu.[1]

1. 1933: o ano da ascensão de Hitier

Aos 30 de janeiro de 1933, o Presidente Hindenburg, da Alemanha, nomeou Chanceler do Reich Adolf Hitler, chefe do Partido Nacional-Socialista. Ao subir ao poder, os hitleristas ainda eram minoria dentro de uma frágil coalisão no país, mas concebiam o firme propósito de galgar sempre mais os degraus da administração pública alemã. Dizia Hitler: "Estou decidido a continuar a luta tão energicamente dentro do governo como eu lutei fora do governo".

O chanceler e seu gabinete, tendo à frente Hermann Goering, viam um conjunto de milhões de adversários a isolar e destruir para chegar ao total domínio da Alemanha. Eram eles: os judeus, os comunistas, os social-democratas com seu forte eleitorado (o Partido do Centro Católico) e a Igreja Católica. Todos eram inimigos, que era preciso eliminar tão rapidamente quanto as circunstâncias o permitissem.

Embora Hitler sentisse que havia particular urgência em combater judeus e comunistas e neutralizar os Partidos de oposição, ele entrevia na Igreja Católica um opositor que lhe parecia muito pernicioso e que era necessário controlar imediatamente e até derrotar radicalmente a fim de poder estabelecer o seu Reich (reino) de mil anos.

Para dissipar a influência da Igreja Católica, o chanceler se voltou para Alfred Rosenberg, filósofo e nazista convicto, que desprezava o Cristianismo. No seu livro "O Mito do Século XX", Rosenberg elaborou uma "teoria científica" que justificava o racismo. Para ele, o valor humano supremo era o da raça: cada raça possuiria a sua alma coletiva própria, "o místico poder do sangue e da terra". Cada raça teria também seu impulso religioso (no caso dos germano ários, tal seria o culto pagão de Wotan, rei dos deuses). Segundo Rosenberg, o Cristianismo era o produto distorcido de tribos semitas que haviam conseguido enganar os ários, fazendo-os renunciar às suas "verdades pagãs". A Igreja Católica, pioneira nesse embuste espiritual, era então visada como alvo de veemente ataque, como sendo ela a promotora de "falsificações" prodigiosas conscientes e inconscientes.

Durante toda a década de 1930 Rosenberg lançou escárnio contra a Igreja. O clero, a hierarquia e o Vaticano foram injuriados como envenenadores do sangue alemão, mercadores de morticínio e causa de caos da raça, obscurantistas ou "homens das trevas", feiticeiros de Roma e, com referência às raízes semitas do Cristianismo, advogados de pervertido orientalismo. Jesus Cristo foi tido como inconsciente instrumento nas mãos de conspiradores judeus internacionais que estão em atividade desde o século I da nossa era. Ou, diziam outros, Jesus em absoluto não foi judeu, mas um ário prototípico, filho de um soldado romano lotado na Palestina. Durante toda a sua carreira até a forca em Nürenberg, Rosenberg propagou suas idéias mediante panfletos, discursos e seminários de treinamento para dirigentes nazistas, aos quais apregoava a "perfeita raça nórdica".

Sem demora começaram as escaramuças entre nazistas e católicos. Em fevereiro de 1933 houve em Berlim um conflito entre comunistas e nazistas. Conflito no qual morreu um policial católico, o sargento Zuritz. Os seus funerais realizaram-se em sua cidade natal na Silésia, ocasião em que o sacerdote celebrante deplorou os numerosos e violentos homicídios dos últimos tempos e citou como algo de terrível a máxima formulada por Hitler: "Se eles nos desobedecerem, as suas cabeças rolarão". Esta era uma clara alusão a um discurso de Hitler. Os muitos policiais de choque presentes ao ato começaram então a tossir para abafar as palavras do padre. Destemido, este exclamou: "Vocês todos podem tossir como lhes agrada, mas a mim não farão tossir para que eu não diga a verdade".

No mesmo mês de fevereiro, o Ministro Goering proibiu a circulação de todos os penódicos católicos de Colônia. Levantaram-se protestos, aos quais ele respondeu negando que isso fosse parte de um plano dirigido contra a Igreja Católica; dizia ele que "o governo estaria lavrando a sua própria ruína, caso seguisse tal política". A proibição foi posteriormente revogada, mas deixou a população atemorizada por toda a região da Renânia: de resto, o fato aconteceu pouco antes que a imprensa católica fosse encampada na Alemanha pelos nazistas.

Ainda aos 22 de fevereiro de 1933 outro notável incidente ocorreu. As tropas de SA nazistas desbarataram encontros de sindicatos cristãos com o Partido do Centro Católico. Um eminente político católico, Adam Stegerwald, foi atacado em público numa plataforma de Krefeld e vários sacerdotes foram feridos.

Uma breve pausa nos conflitos verificou-se quando Hitler se dispôs a fortalecer a unidade nacional para poder enfrentar inimigos de dentro e de fora do país. Dirigiu então um apelo à Igreja Católica para que aceitasse entrar em negociação. Ao mesmo tempo circulavam fortes rumores que ameaçavam a Igreja Católica, caso não fosse logo concluído um acordo. Isto provocou debates. Finalmente o Papa Pio XI e seu Secretário de Estado, o Cardeal Eugenio Pacelli, apesar de muitas apreensões, averiguaram que não podiam recusar conversações com um governo legitimamente instaurado. Se recusassem, Hitler faria público o seu aparente propósito de paz e acusaria os católicos de o solapar. O Cardeal Pacelli argumentava que um acordo lavrado por escrito seria melhor base de coexistência tranqüila do que nenhum pacto jurídico. Os luteranos também aceitaram negociar com o governo. Naquele momento da história, fim de junho de 1933, já havia campos de concentração e ocorriam encarceramentos em massa, atingindo centenas de membros do Partido Católico. - O representante do governo nas negociações, Ministro Franz von Papen, católico, embora estivesse ciente dos problemas registrados atrás, declarou aos jornalistas que as relações entre o Vaticano e o Reich eram tão amigas que em oito dias apenas a Concordata fora acertada até em seus mínimos pormenores. Por conseguinte, em julho de 1933 foi assinado um Acordo que assegurava que certas atividades da Igreja Católica no plano educacional, no da juventude e no de Encontros e Congressos ficavam garantidas por lei do Reich. Em troca, devia cessar o apoio da Igreja ao Partido Católico e aos Partidos do povo bávaro. De resto, já antes de ser assinada a Concordata, o próprio Partido do Centro Católico, pressionado pelo nazismo, havia decidido dissolver-se, fato este que Pacelli lamentou, porque o deixara sem respaldo durante as negociações.

Pacelli afirmava que de dois males era preciso escolher o menor. Se não fora a Concordata, os católicos teriam sido deixados à mercê das tropas de choque nazistas (SA, SS) e da Gestapo. A Concordata poderia servir-lhes de amparo para protestarem contra as injustiças. Em julho de 1933, observava Pacelli frente a um oficial da Embaixada Britânica que, embora os ataques aos católicos fossem perdurar, "dificilmente os nazistas violariam todos os artigos da Concordata ao mesmo tempo". Na verdade, apesar de pretensas garantias, foram constantemente desrespeitados os termos do Acordo.

Em dezembro de 1933, um Estatuto de Editores obrigava todos os editores a tornar-se membros da Câmara Literária do Reich e a obedecer a todas as diretrizes que dela emanassem. Tal lei proibia dar notícias minuciosas de peregrinações, imprimir calendários litúrgicos e até anunciar Encontros de agremiações católicas. Ao definir o que considerava propaganda contra o Estado, o Estatuto desferia um golpe mortal na ampla e próspera imprensa católica.

A censura enrijeceu. Cada tipografia ficou sujeita ao capricho das autoridades, e um véu cobriu parcialmente o que ocorria dentro da própria Alemanha.

O Vaticano, desejoso de saber exatamente o que acontecia, encontrou quem o ajudasse. Uma numerosa turma de testemunhas desconhecidas acompanhava os agentes do Estado que estivessem trabalhando às ocultas, passava para fora do pais relatórios e documentos secretos. Um dos heróis dessa intelligentzia católica foi o Dr. Joseph Mueller, mensageiro-chefe. Era este um jurista antinazista de Munique, conhecido por ser pessoa calma e de confiança. Oficial da Abwehr (Defesa Militar), podia locomover-se livremente entre Munique, Berlim e Roma. Na sua sacola de trabalho, isenta de alfândega e dos olhos da Gestapo, ele transportava maços de documentos que proporcionavam minúcias da campanha contra os católicos da Alemanha e da Áustria. Quando a Rádio Vaticana levava ao ar extratos dos relatos trazidos por Mueller, a Gestapo reagia com fúria e pôs-se a procurar acirradamente a respectiva fonte.

2. De 1934 a 1939

A documentação fornecida por Mueller permitiu averiguar crescente progresso das medidas anticatólicas entre 1933 e 1939. O Estado queria forçar os jovens católicos a entrar na Juventude Hitlerista; as escolas e os sindicatos católicos foram desmantelados, o clero condenado à perseguição e ao cárcere. Entre 1935 e 1938 os padres e os Religiosos foram humilhados cinicamente por motivo de "divisas ilegais" e "imoralidade". Com efeito, as leis do Estado regulamentavam a importação e exportação de dinheiro; mandar qualquer quantia para fora do país podia ser considerado "alta traição" e "sabotagem". Por alegação de infrações às leis vigentes, a campanha foi dura e resultou em encarceramentos vários e pesadas multas. Tal foi o caso do Pe. Agner, redentorista, que foi preso numa cidade e falsamente acusado.



A confiscação de contas bancárias era procedimento habitual, adotado pela polícia, que era muitas vezes brutal e agressiva. Em maio de 1935, no convento de S. Carlos Borromeu em Trebnitz (Saxônia), duas Religiosas morreram do choque quando a Superiora e outras Irmãs foram presas sob a acusação de que exportavam dinheiro para um convento na Tchecoslováquia. As Irmãs responderam que era absurdo pensar que elas possuíssem elevadas quantias, já que gastavam toda a sua vida em obras de caridade. Em 22/07/1935 declarou um advogado em Münster: "Era notório que até juizes e procuradores do Estado caíam em erro no tocante à legislação econômico-financeira".

Os processos por imoralidade procuravam destruir a reputação dos Religiosos católicos. Sacerdotes, monges e freiras foram acusados de "estilo de vida pervertido e imoral". A polícia secreta lhes preparou numerosas armadilhas: assim em maio de 1936 alguns padres foram chamados para atender a pessoas doentes em quartos de hotel. Eram aguardados nesses quartos por fotógrafos. Quando o padre entrava no quarto, a pessoa "doente" revelava ser uma prostituta ali colocada pela Gestapo. As fotografias assim tiradas eram levadas aos tribunais e ao público como irrefutáveis provas de corrupção moral.

Em 1936 um famoso processo atingiu os franciscanos da cidade de Waldreitbach (Renânia). Foi amplamente divulgado, a ponto que as famílias foram admoestadas por panfletos "santamente redigidos" a que não matriculassem seus filhos em educandários católicos. As próprias crianças foram estimuladas a ler os sinistros relatos. Em algumas cidades, as bancas de jornais foram especialmente arrumadas, de modo que em prateleiras a pouca altura as crianças pudessem ler estórias pornográficas acompanhadas de caricaturas nas páginas de Der Sturm (o jornal controlado por Julius Streicher, notoriamente anti-semita e anticatólico).

Os testemunhos das crianças eram levados aos tribunais pela polícia secreta de tal forma que não era permitido a alguém contradizer-lhes. Registraram-se ameaças, subornos, brutais interrogatórios noturnos, colapsos nervosos...

Nos Estados Unidos comícios e marchas de protesto começaram a ter lugar logo que lá chegaram as notícias dos infamantes processos. Em junho de 1936, 48 clérigos assinaram um documento que dizia: "Levantamos solene protesto contra a brutalidade dos ataques movidos contra o clero católico pelo governo alemão, que o acusa de imoralidade... O bom nome do sacerdócio católico é assim difamado, na expectativa de que se possa chegar ao extermínio das crenças judaica e cristã por parte do Estado totalitário". Os rabinos Samuel Abraham, de Boston, Philip Bernstein, de Rochester, e Philip Bookstaber, de Harrisburg, dezoito outros rabinos e vinte e um pastores protestantes assinaram tal protesto.

Voltando à Alemanha, observa-se que tais vozes ficaram sem resposta. Nos anos subseqüentes continuaram os ataques aos clérigos nas ruas, nas casas paroquiais e nos postos de fronteira. O culto divino nas igrejas podia ser interrompido, as procissões dissipadas, enquanto os fiéis católicos eram assaltados nas ruas.

Na Páscoa de 1935, peregrinos alemães que voltavam de Roma após visitar o Papa Pio XI, foram punidos na fronteira por agentes da Gestapo e da SS; receberam a ordem de deixar o trem em que viajavam e de ficar esperando; isto durou sete horas debaixo de copiosa chuva; enquanto a sua bagagem era toda minuciosamente inspecionada; foi-lhes confiscado tudo o que fosse sinal de alguma organização ou associação: bandeiras, estandartes, livros, barracas, até facas e garfos... Os peregrinos foram insultados furiosamente: "Assim são os papistas, o povo que apunhalou a Alemanha pelas costas em 1918! É preciso que eles sejam espancados e enviados para um campo de concentração... A melhor coisa seria degolá-los!". Diante dos protestos dos injuriados a polícia local apenas respondeu que estavam procurando uniformes ilegais.

No dia das eleições para o Reichstag em 1938, sacerdotes e Bispos foram atacados depois que a votação se encerrou. Em Fellbach, perto de Stuttgart, o Pe. Sturm, pároco, foi cercado por uma turma de 25 SS e SA (guardas nazistas), que lhe perguntaram em quem ele votara. Após ter saqueado a casa paroquial, obrigaram-no a passar entre duas fileiras de homens munidos de açoites, que cuspiram nele, zombando: "Este é o traidor, Pe. Sturm!". Depois de duas horas de abuso, foi levado ao chefe, que lhe deu uma lição acerca da doutrina de Hitler e lhe manifestou como ele (chefe) concebia os deveres de um pároco na nova Alemanha. A meia-noite, o Pe. Sturm foi posto em liberdade.

Embora os SS e a Juventude Hitlerista tivessem sido instruídos para não fazer mártires, era muito freqüente encontrar sacerdotes ameaçados. Muitos foram tratados com aspereza, sendo que um, atirado janela abaixo, teve as duas pernas quebradas. O Cardeal Faulhaber, de Munique, foi alvo de um tiro; o Cardeal lnnitzer teve sua residência saqueada em Viena no mês de abril de 1938. Neste mesmo mês deu-se um incidente notável, quando o Bispo Mons. Sproll, de Rottenburg, foi maltratado. Posteriormente ele recebeu uma carta anônima de um agente SA, que foi obrigado a tomar parte na agressão e que dizia: "Sempre fui ufano do meu país, mas nesse sábado eu me senti, pela primeira vez, envergonhado de ser um alemão".

Nessa mesma década de 1930, canções, filmes, discursos de membros do Partido, cartazes e peças de teatro satirizavam o clero. O produtor Anderl Kern redigiu a peça anticlerical intitulada "O Último Camponês", que circulou por toda a Alemanha, provocando sérios debates. Foram então apresentados ao público um pároco com um filho ilegítimo, um olho no sexo oposto e dinheiro fácil; um jovem seminarista volta para a casa dos pais, anunciando que perdeu a vocação; uma senhora mãe tenta matar uma jovem empregada doméstica com o rosário numa mão e o punhal na outra. No fim da peça aparece o ex-seminarista como "o autêntico herói alemão", tendo renunciado ao sacerdócio e prometido ao pai uma numerosa família "para a segurança futura da raça ariana".

A estratégia nazista consistia, essencialmente, em destruir o Catolicismo, eliminando todas as organizações patrocinadas pela Igreja desde as escolas infantis até os sindicatos. Em 1939, as escolas e os sindicatos católicos estavam praticamente extintos. Em troca havia as escolas nacional-socialistas, a Frente de Trabalho Nazista e a Juventude Hitlerista com seu ramo feminino, que era a Liga das Moças Alemãs.

Em 1937 os pais de família eram obrigados a escolher a escola de seus filhos perante duas testemunhas, geralmente homens da tropa de choque rigorosamente uniformizados; essas testemunhas os advertiam a respeito de perda de emprego e outras sanções. As próprias crianças nas escolas católicas sofriam represálias; não havia para elas prêmios pelos estudos primários, pois estes só podiam ser concedidos pelas escolas oficiais; aos pais que optassem por uma escola católica, era dito que seus filhos teriam que ir freqüentá-la nos subúrbios, a algumas milhas de distância. Em Speyer, cidade da Renânia, um operário narrou ao seu Bispo pormenores de como sua opção de escola foi obtida: "Disseram-me que fosse à Secretaria da paróquia; lá chegando, declarei que escolhia a escola católica, e preparava-me para ir embora, quando um agente nazista me segurou pelas costas e escreveu um ofício à minha firma de trabalho declarando que, por causa da minha opção, eu merecia ser demitido. Então disse-me um policial que, se eu não mudasse de alvitre, eu jamais poderia conseguir emprego".

Em 1936, na Baviera, 600 Religiosas dedicadas ao magistério foram afastadas do cargo. Em conseqüência deste e de outros casos semelhantes, muitas Religiosas se voltaram para empregos profanos nas fábricas, a fim de sobreviver. Em Baden, no verão de 1938 havia 41 Religiosas trabalhando numa fábrica de téxteis após ter deixado o magistério. O governo proclamava que todas as Religiosas que deixassem o convento, seriam imediatamente empregadas em instituições estatais. Na Renânia, em abril de 1939, 330 educandários católicos foram fechados por decreto do governo no chamado "Dia Negro para a Renânia Católica". As associações de jovens católicos foram declaradas "não alemãs", embora contassem centenas de milhares de membros. Os professores foram advertidos no sentido de que, como funcionários do Estado, tinham a obrigação de estimular seus alunos a entrar na Juventude Hitlerista ou na Liga das Moças Alemãs; a jovem que não se filiasse à Liga, era ameaçada de não encontrar rapaz para se casar quando terminasse seus estudos: caso viesse a se casar, o seu marido perderia o emprego logo que descobrissem que a esposa não pertencera à Liga das Moças Alemãs. Muitos trabalhadores católicos foram ameaçados de demissão, caso não pudessem provar que seus filhos se haviam alistado nas associações hitleristas de jovens. Muitas escolas de Artes e Ofícios anunciavam que só aceitariam como aprendiz quem estivesse filiado ao Partido. Os ferroviários alemães, num total de centenas de milhares de pessoas, publicaram semelhantes normas.

A censura imposta à imprensa e ao rádio fez que a Igreja se tornasse o único lugar em que o cidadão católico podia ouvir uma voz de protesto. Era extremamente perigoso, para os clérigos, exprimir-se contra o governo, embora alguns o fizessem energicamente, correndo os riscos respectivos, como o Pe. Rupert Mayer, de Munique. Os padres, aliás, estavam conscientes de que na igreja, disseminados entre os fiéis, havia agentes hitleristas clandestinos à escuta de seus sermões. Nem os Bispos eram poupados: tenham-se em vista o Bispo Clemens von Galen, de Münster, o Cardeal-arcebispo Faulhaber, de Munique, o Cardeal Bertram, de Breslau, o Cardeal Shulter, de Colônia.

Os sermões do Cardeal Faulhaber, de todos o mais famoso, proferidos na igreja de São Miguel durante o Advento, despertaram interesse nacional e internacional. Tornaram-se tão expressivos que milhares de pessoas os acompanhavam fora da igreja, nas ruas. No primeiro desses sermões, proferido em dezembro de 1933, Faulhaber defendeu o Cristianismo proclamando as suas raízes, ou seja, o judaísmo; enfatizou que o Cristianismo não admitia discriminação por causa da raça, e perguntou se os racistas ainda tinham fé. No mês seguinte algumas balas lançadas contra as janelas do seu escritório quebraram-lhe os vidros. Em março de 1934 o livro de seus sermões publicado com o título "Judaísmo, Cristianismo e Germanismo" foi retirado do comércio por causa de suas "caluniosas afirmações concernentes ao Estado". Apesar disto, o Cardeal Faulhaber continuou a denunciar a política nazista referente às escolas católicas, às associações de jovens, às eleições controladas, à esterilização de adultos, aos ataques contra o Papa e às tentativas de substituir o Cristianismo por aquilo que ele chamava "uma falsa religião". Faulhaber desempenhou importante papel na redação da encíclica antinazista Mit brennender Sorge (Com ardente Preocupação) publicada em março de 1937; este documento denunciava ataques contra a fé, a violação de quase todos os artigos da Concordata assim como os itens da ideologia nacional-socialista. A encíclica foi interditada pela Gestapo, mas foi secretamente policopiada e enviada para toda a Alemanha; a rede católica de comunicações clandestinas encarregou-se de a fazer chegar a todas as paróquias da Alemanha; centenas de agentes se empenharam, para tanto utilizando carros, bicicletas, motocicletas..., que transportavam até mesmo cópias feitas à mão.

A reação à encíclica não se fez esperar. O governo alemão enviou um protesto a Roma, que foi energicamente rejeitado pelo Cardeal Pacelli, Secretário de Estado e futuro Papa Pio XII. Uma ordem de Hitler e Goebbels mandou furiosamente que fossem acusadas publicamente dezenas de clérigos por delitos de imoralidade e calúnias contra o Estado. A Gestapo e os agentes SS puseram-se a procurar as oficinas que haviam reproduzido a encíclica; as tipografias suspeitas foram confiscadas e seus proprietários desalojados. Numa paróquia da diocese de Oldenburg, sete moças foram presas dentro da igreja quando confeccionavam cópias do texto após a Liturgia do domingo de Ramos.

3. O ano de 1939

A morte de Pio XI em fevereiro de 1939 e a eleição de seu sucessor, o Cardeal Pacelli, suscitaram o escárnio do periódico Das Schwarze Korps (O Corpo Negro), órgáo do SS[2] e porta-voz do Ministro Himmler. Referia-se a Pio XI como sendo "o Rabino-chefe dos cristãos, patrão da firma Judah-Roma". O Cardeal Pacelli já fora considerado pelo jornal como um aliado dos judeus e dos comunistas numa série de caricaturas e artigos publicados por ocasião de sua visita à França em 1937; ver ilustração à p. 218 [abaixo].

A política nazista podia variar segundo as circunstâncias históricas, tentando novas estratégias ou suprimindo táticas pouco profícuas. A perseguição podia tornar-se dissimulada ou mesmo sustada quando convinha. Por exemplo, em agosto de 1937, por ocasião dos Jogos Olímpicos em Berlim, o governo deu ordens de suspender qualquer atividade hostil aos judeus, aos católicos e aos protestantes; deviam ser subtraídos aos olhares dos jornalistas estrangeiros todos os espetáculos agressivos à religião. Todavia, logo que partiram os estrangeiros, a estrutura persecutória voltou a funcionar.

Quando irrompeu a segunda guerra mundial em setembro de 1939, Hitler preferiu deixar de lado o seu propósito de total destruição do Cristianismo para melhor desenvolver a ação bélica. Contudo houve no Partido quem julgasse ser um erro a suspensão da luta contra a Igreja (Kirchenkampf). Martin Bormann em 1941 fez ver a Himmler, chefe dos agentes SS, que "a influência da Igreja Católica deveria ser inteiramente sufocada". No tocante, porém, à perseguição movida contra os judeus, houve quase unanimidade na cúpula do nacional-socialismo em favor da continuação: a guerra dava a Hitler a oportunidade de novas investidas contra os israelitas para assim "purificar a Europa" pela eliminação dos não ários. Por quase toda a Europa os judeus foram maltratados e assassinados, ao passo que os eslavos foram escravizados ou mortos. A extensão do poder nazista para dentro da URSS dilatou enormemente o seu campo de ação exterminatória. A respeito da posição do Papa Pio XII frente ao Holocausto judaico, muito se tem escrito; está comprovado que se empenhou por salvar a vida de quantos judeus lhe foi dado atingir; só não se pronunciou em alta voz contra o anti-semitismo para evitar mais veementes represálias da parte do nacional-sociajismo. Cf. PR 446, 1999, pp. 317-331.

Embora o alcance da perseguição contra os cristãos tenha sido menor do que o da luta contra os judeus (com exceção talvez do que aconteceu na Polônia), as duas moções persecutórias manifestam a monstruosidade do sistema nazista.

Baldur von Schirach, chefe da Juventude Hitlerista, nas assembléias de seus colegas, gostava de lhes dizer, à guisa de chavão: "Somos jovens que crêem em Deus, porque servimos à Lei Divina, que se chama Alemanha". - É preciso não esquecer que essa blasfema concepção de Lei Divina, por dez mil caminhos tortos, levou à guerra, ao saque, a sofrimentos inauditos e, por fim, à destruição do ser humano.

Em Apêndice veja-se como o nacional-socialismo considerava o Cardeal Pacelli.

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Segundo a propaganda nazista, Pio XII foi sempre um adversário do nacional-socialismo e um amigo dos judeus. Essa caricatura apareceu no jornal Das Schwarze Korps dos SS, quando em 1937 o Cardeal Pacelli visitou a França. No alto da figura o título reza: "A viagem do Cardeal à França". Na parede há um mural que diz; "Cozinha Venenosa da Frente Popular", referência ao Partido Comunista Francês. O rótulo da botija diz: "Horríveis Mentiras", enquanto a mulher judia comunista tem nas mãos um exemplar do jornal comunista L'Humanité com a manchete: "Perseguição dos cristãos na Alemanha". Diz o Cardeal Pacelli: "Sem dúvida, ela não é bonita, mas cozinha bem". Note-se que o Cardeal foi reproduzido com traços típicos de um judeu (da propaganda nazista) para combinar com as feições da mulher judia e comunista.

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Notas:

[1] O conteúdo deste artigo é retirado dos escritos do Prof. Karol Josef Gajewski, de Sandbach (Inglaterra), especialista em História da Europa. Os resultados de seus estudos foram publicados pela revista norte-americana Inside the Vatícan, novembro 1999, pp. 50-54.

[2] SS = Staatsicherheit (Segurança do Estado)

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